sexta-feira, 28 de outubro de 2011

JORNALISMO: Fidelidade às fontes e respeito pelas audiências

Para profissionais de jornalismo, como eu, que tiveram a ventura de aprender, serem formados, mas acima de tudo moldados, viver e servir, mais de três décadas, nessa notável escola chamada BBC, o amor – o dever – à verdade, zelo à transparência, à imparcialidade, fidelidade e confidencialidade às fontes, não é apenas uma obrigação, mas timbre de uma carreira que se impõe como ímpar em servir e respeitar as audiências que nos honram com a sua preferência! Todos estes marcos são ainda mais evidentes quando tanto a nossa origem cultural e étnica, como, e muito particularmente, as inevitáveis filiações partidárias, obviamente tendem a influenciar as nossas percepções e ações. Embora nem sempre, mas por muito grande que seja a tentação em interpretar-se a notícia, esse grande lema da BBC é demasiadamente sagrado, para não ser profanado. Ao leitor, ao ouvinte ou ao tele-espetador, por merecer todo o respeito, deve ser transmitida toda a verdade, e nada mais que a verdade. Verdade, nua, crua! Isenta de floriados. Por isso mesmo, na "Bíblia" da BBC, - O Guia Editorial - a certo passo, diz-se o seguinte: "O jornalista pode espressar uma opinião profissional, mas nunca uma opinião pessoal..." Outro ponto cardeal é o dever da fidelidade às fontes. Ainda citando a experiência da BBC, quando uma notícia é referida na base do "off the record", ou seja, para não ser divulgada, como é um dever sagrado, permanece, por isso mesmo, no segredo dos deuses. Os jornalistas, como seres humanos, movendo-se muitas vezes pelo fervilhar da adrenalina, não estão isentos de tentação. Que vale uma "caixa" sensacional, mas efémera, quando se renuncia ao que se
é, traíndo não só os seus princípios, mas, acima de tudo, os que nele confiam? Mais vale uma fonte permanente, à qual se pode recorrer, do que a efémera fama, que se poderá obter, mas possivelmente uma vez, e, com ela, o inevitável descrédito! Valiosíssimas são as fontes, que ao serem fielmente preservadas, cimentam, fundamentam e dão crédito à informação! Mais! Revelar o que se sabe, mas nunca o que confidencialmente lhe é participado, do que, por muita certeza que se tenha no jogo da probabilidade, se procure especular.

Vida fértil em episódios interessantes, particularmente quando se trata de uma longa e profícua carreira, muito poderia descrever, caso o espaço me permitisse. Limito-me ao que considero mais cómico e revelador. Estava-se, ao serviço do Jornal de Notícias, numa das muitas cimeiras da União Europeia, que, francamente, detestava cobrir, mais pelo facto de durante o dia nada de importante havia para relatar, limitando-me a “catar”o mais possível, aqui e ali, algo que considerava importante para a peça final. De repente, quase à hora do fecho da edição, surgia a irritante declaração final, seguida das conferências de imprensa das delegações nacionais. O episódio passou-se em Dublin, na Irlanda, nos meados dos anos 80. Naquela cimeira, Frederick W. de Clerk, então primeiro-ministro da África do Sul, procurava a desejada abertura no Ocidente e tentativa de abandono do Apartheid. Devido ao boicote comercial, tentou aliciar com a venda de Rands de Ouro. Conhecedor da posição britânica e do interesse de Margaret Thatcher em apoiar as tentativas do homólogo sul-africano, soube de boas fontes que a Grã-Bretanha, então isolada, procurou - e conseguiu - o apoio de outro país, Portugal, mas que pretendia o anonimato. Consciente desta posição, interroguei, no enorme salão, repleto de colegas internacionais, o então primeiro-ministro irlandês, na sua capacidade de Presidente, sobre quem era o país apoiante do Reino Unido. Perante irritante hesitação, decidi lançar a bomba, perguntando se esse país era Portugal, o que foi obrigado a confirmar! Obtida esta admissão pública, apressei-me a chegar à sala onde decorria a conferência de imprensa do então ministo dos negócios estrangeiros do nosso país, o Prof Dr. João de Deus Pinheiro. ´Como, para lá chegar, tinha de passar pela sala do Reino Unido, precisamente no momento em que falava Margaret Thatcher para os jornalistas britânicos, - eureka! Divulgava e manifestava a sua gratidão ao nosso país! Ao avistar-me com João de Deus Pinheiro, disparei-lhe a pergunta se Portugal era o país apoiante do Reino Unido na questão da venda dos rands de ouro. Hesitando, poupei-o do aparente embaraço, informando-o de que tanto Margaret Thatcher como o primeiro-ministro irlandês haviam-no já confirmado publicamente há instantes. Metendo a mão ao bolso, o ministro mostrou-me um guardanapo em papel com os dizeres “Thank you João!” (Obrigado João!) escrito pelo homólogo britânico, Douglas Hurd, que ao lado dele se sentara no almoço! Seria bom que nas muitas circunstâncias que se seguiriam ato semelhante fosse reciprocado pelo país beneficiado!

sábado, 22 de outubro de 2011

A TRAGÉDIA DAS MINAS ANTI-PESSOAIS

Pouco antes da sua morte e quando tentava uma entrevista com a Princesa Diana, acabada de regressar de Angola, na sua campanha contra as minas anti-pessoais, foco de um então excelente documentário da BBC, esse enorme flagelo, que, além das múltiplas mortes, deixa milhares de vítimas sem braços ou principalmente pernas, como é particularmente o caso de Angola, Moçambique e da Bósnia, recebi a seguinte carta em nome da Princesa, datada de 21 de Fevereiro de 1997, e redigida pela sua secretária pessoal. Embora não mencionasse a eventualidade de uma desejada entrevista como solicitara, começou: "A Princesa ficou sensibilizada pelo facto de ter tido o incómodo de escrever sobre o documentário que tinha visto da sua visita a Angola. A Princesa de Gales espera que o mundo tenha agora uma melhor perceção sobre o sofrimento causado pelas minas anti-pessoais pelo que espera ter a oportunidade de visitar alguns dos outros sessenta e cinco países igualmente afetados. A sua carta teve um grande significado para a Princesa pelo que me pediu expressamente para transmitir-lhe o seu profundo apreço...."
Com a sua inesperada morte, a campanha contra as minas anti-pessoais perdeu uma das figuras mais notáveis. Porém, várias entidades, nomeadamente a Cruz Vermelha Britânica e a International Campaign to Ban Landmines (ICBL), com sede em Genebra, que em 2007 foi distinguida com o Prémio Nobel, são as mais notórias. As minas anti-pessoais, objetos de metal ou plástico em sua maioria contendo shrapnel, esse horrível material que tantos destroços provoca nas vítimas, de que as forças do dirigente líbio, Muamar Khadafi são acusadas de terem lançado contra a população de Misurata, inicialmente utilizadas como bombas anti-tanques, e, mais tarde, utilizadas como meio de proteção fronteiriça, em termos bélicos, ou seja, para atingir ou matar soldados, começaram a ser utilizadas na II Guerra Mundial e, desde então, nas guerras do Vietname, Coreia e do Golfo e, mais recentemente, no Afeganistão em que o sargento britânico, Karl Ley bateu o recorde mundial da desativação de 183 bombas terrestres colocadas pelos Talibans nas vias de circulação, recebendo justificado galardão com a Medalha de St. George, uma das mais altas distinções britânicas. Devido ao fator económico e à facilidade de manufaturação, particularmente em armas artesanais, passaram a servir, igual e mais comumente, em guerras civis ou armas de guerrilheiros. Difíceis de detetar, como são colocadas no terreno, e ali permanecendo anos e até décadas, quando pisadas por seres humanos, e, por isso, denominadas de armas de ativação pelas vítimas, imediatamente explodem matando ou até desmembrando as pessoas, muitas delas crianças, que na melhor ds hipóteses podem apenas causar cegueira ou queimaduras. Só em 2008, segundo a ICBL, registaram-se 5,197 vítimas, sendo 1,266 mortais, em 66 países. Com a entrada do Tratado para Banir as Minas, em 1 de Março d 1999, assinado e retificado por 156 países, o problema persiste pelo facto de restarem 39 importantes países, nomeadamente o Egito, Birmânia, China, Índia, Rússia, Paquistão, Afeganistão, Colômbia, Perú, Cuba e Estados Unidos da América, que ainda não o fizeram.
A luta, é a deteção destes aparelhos e a campanha da sua limpeza e destruição, atualmente a cargo de várias associações de caridade, nomeadamente a Mines Awareness Trust (MAT), radicada nas Ilhas do Canal (Guernsey). Trabalho arriscado, como pessoalmente observei na Irlanda do Norte, onde eram utilizados robots detetores e destruidores deste e de outros tipos de dispositivos, é, porém, tanto no Iraque, e mais recentemente no Afeganistão, funções desempenhadas por militares altamente especializados, em que, por isso mesmo, as baixas são maiores. Fora disso e principalmente em locais como Bósnia e Moçambique, a deteção das minas está a ser eficientemente desempenhada ou por ratos ou por cães! Estes animais, graças ao seu elaborado faro, mas especialmente ao seu reduzido peso, detetam as minas sem as despoletarem. No caso dos cães, cujo treino é altamente dispendioso, cerca de 40 mil euros cada, parte importante do treino é o animal não pisar o objeto, mas parar à distância de um metro e, apenas, olhar para o dono! Quanto aos ratos, mais leves, ao passearem no terreno minado o olfato deteta as minas e pára, sinal mais do que clarividente da existência de minas! Só em 2008 a área de 270km2, em vários países, foi inspecionada e limpa. Um vasto programa de limpeza está programado até 2015, referente a 25 países, incluindo Malvinas, Albânia, Guiné-Bissau, Etiópia, Afeganistão, Argélia e Angola.