terça-feira, 30 de abril de 2013

A “DAMA DE FERRO” QUE CONHECI E OBSERVEI

Não foi a tão solicitada e longamente esperada entrevista por ela concedida, permitindo-me estar junto dela, que mudou a minha opinião acerca da agora falecida baronesa e então primeira-ministra, Margaret Thatcher. Recebendo-me no seu bem arrumado escritório em Downing Street, nos idos meados de 1980, objetiva e incisiva, as suas primeiras palavras foram de simpatia pelo nosso país, o que, aliás, era hábito por parte de muitas outras figuras políticas que entrevistei e com quem contactei. Esclarecendo que dispunha de pouco tempo, pelo que pedia desculpa, num timbre de voz tão característico, mas sempre afável, de porte distinto e senhoril, na minha frente se “dama de ferro” existia, essa imaginária couraça teria sido guardada em qualquer outro sítio. Faz-me lembrar Isabel II, cuja imagem oficial, séria e sisuda, em privado é a pessoa mais jovial, descontraída e risonha. Agora partida, com toda a pompa, em que a Inglaterra tanto se preza e bem sabe, relembremos o seu legado. Para muitas então mães e agora avós, Margaret Thatcher foi odiada quando ministra da educação no governo (1970-1974) de “Sir” Edward Heath em que decidiu retirar o alimento básico, o leite, a crianças de escolas primárias, pelo que veio a ser conhecida, em vez de Thatcher, “Snatcher” (ladra). Prelúdio do que viria a demonstrar quando primeira-ministra principalmente na destruição do até então precioso Sistema Social. Mas não só. Lembro-me, e vivi profundamente o drama da greve dos mineiros em que a então conhecida e mui detestada “Maggi”, como era conhecida, demonstrou ser uma verdadeira “dama de ferro”, destruindo a rica e vasta indústria carbonífera do país. Pior. Com ela muitas comunidades mineiras espalhadas pelo país, mas principalmente no País de Gales, no nordeste e centro da Inglaterra. Consciente do paroquialismo dos colegas britânicos e da enorme propaganda a favor do governo numa clara guerra que a primeira-ministra não queria – nem devia – perder, desloquei-me e convivi com a comunidade mineira do Pais de Gales e da zona de Darby (centro da Inglaterra) que antes me haviam tratado como especial anfitrião ao ponto de com eles conviver nas entranhas das minas onde labutavam, pelo menos a centena e meia de metros de profundidade. A dureza da polícia, não local, mas recrutada de várias partes do país foi notória, transformando por completo a boa imagem que se tinha dos até então afáveis “Bobbies”, como familiarmente eram chamados. A contrastar, na defesa do seu ganha-pão, mas mais. do próprio tecido social, tão caraterístico da comunidade mineira, os mineiros resistiam, dependendo das dádivas provenientes de todo o país cuja população com eles se solidarizava. Estes, dois dos mais notáveis episódios da sua governação. Outros houve, porém, não menos importantes, que sumarizo: 1) Aumento da pobreza e a crescente divisão entre o rico e o pobre. 2) Dividiu e revoltou o País; 3) Esbanjou a riqueza do petróleo e gás do Mar do Norte; 4) Provocou a maior recessão e o mais elevado nível de desemprego; 5) De-socializou o País e deu início à erosão do Estado Social; 6) Destruiu a multisecular independência das autarquias a favor da centralização. Quanto a mérito, destaco: A nível interno: 1) “Democratizou” e empolgou o mundo financeiro da “City”; 2) Reformou a dependência do país ´da anquilosante indústria pesada; 3) Pôs cobro à anarquia e ao baronismo sindicalistas. (Quem diz isto é um antigo e primeiro dirigente em década e meia e Presidente não britânico do influente Sindicato Nacional de Radiodifusão!) e, finalmente, na minha opinião, devolveu à Nação a perdida identidade BRITÂNICA, embora com algum e condenável xenofobismo, notabilizando-se particularmente na Guerra das Falklands/Malvnas. Mérito ou Demérito, com as privatizações, como a criticou uma das mais e influentes figuras do Partido Conservador e igualmente ex-Primeiro-ministro, Harold McMillan, por ter vendido “a prata da casa”. A nível internacional: 1) Prestigiou o País e, 2) juntamente com Ronald Reagan, apoiando Mikhail Gorbatchev, pôs cobro à Guerra Fria. Mas, a nível europeu, provocou divisões, chocou os “young turks” do seu partido, dando lugar à maior vaga eurocética britânica

domingo, 14 de abril de 2013

ESQUEÇA-SE A CRISE, Habemos Thatcher!

O Reino Unido, ou melhor, a Inglaterra vive dias memoráveis. Na desesperada ausência de boas novas em relação à economia, o Governo procura minimizá-la invocando o que une a Inglaterra e os ingleses: homenagear, com pompa e cerimónia, os seus líderes, especialmente na sua morte. Neste caso, o falecimento da Baronesa Thatcher, cujas exéquias são celebradas na quarta-feira 17, na Catedral de São Paulo, em Londres. Antecipadas por desfile, em que, pelo menos 700 militares das várias forças armadas vão fazer-lhe as devidas honras. Pedido da falecida como testemunho e gratidão pela sua enorme participação e sacrifício na Guerra das Falklands/Malvinas, dentre os milhares de convidados, em sua maioria chefes de estado e de gabinete atuais e antigos, contam-se a Rainha Isabel II e o marido, Príncipe Filipe numa rara presença e honra prestada a uma antiga chefe de gabinete apenas concedida no funeral de

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Margaret Thatcher, a pessoa que entrevistei. Artigo longo, mas creio valer a pena, parte do meu manuscrito POR TERRAS DE SUA MAJESTADE: Margaret Thatcher (1927-2013): a redentora? Retomando o tema da crise de identidade que o país atravessava, principalmente a partir da década de 70, Margaret Thatcher, foi a pessoa mais indicada e que habilmente se aproveitou dessa circunstância. Começando por apelar ao inglesismo dos eleitores, o estilo de liderança da que foi apelidada, no estrangeiro, de "dama de ferro" (*) (*+) mas, para os ingleses, o epíteto menos dignificante de "filha do merceeiro", devido ao facto do pai ter tido as origens de pequeno comerciante, na localidade de Grantham, no condado de Lincolnshire, no centro-leste da Inglaterra, o seu inegável patriotismo, ou para os seus muitos críticos de "inglesismo" xenófobo, teve grande apelo, ao ponto de ser considerada como a líder com o dom de unir um tão dividido e então desiludido país. (*) O coronel Russo, Yury Gravilov, que na altura escrevia para o jornal do exército Red Star revelou, pela primeira vez, ao semanário britânico The Mail on Sunday (25 de fevereiro de 2007, pág. 48) que por iniciativa própria apelidou a então estadista britânica, em 24 de janeiro de 1976, com tão famoso epíteto, baseado no dirigente alemão e chanceler "de ferro" Otto von Bismarck. (*+) Também ”transportada” para o cinema, interpretada pela artista Merryl Streep, que teve estreia mundial, em janeiro de 2012, cuja interpretação lhe valeu um Oscar, em 26/02/12 e uma estatueta BAFTA ,em 12 de fevereiro de 2012, pela Academia Britânica do Cinema e da Televisão, ambos os prémios como “melhor atriz”. -67- Mulher dinâmica e autocrática, são inúmeros os ditos que se teciam em relação ao seu mais do que visível estilo dominante, tanto em termos maritais como, e muito particularmente, governamentais. No domínio marital, foi com base nas afirmações dela que os satiristas faziam, normalmente, chacota. Caso mais típico, foi o programa da televisão, Spitting Image [correspondente e que deu origem à popular Contra-informação da RTP]. Enquanto o marido, Denis Thatcher, falecido em outubro de 2003, pessoa afluente e que fez a fortuna devido ao seu envolvimento com uma companhia americana de petróleo, lavava a louça acompanhado de uma garrafa de gin, Margaret Thatcher, "comandava" a situação de mala na mão, principalmente nas reuniões de Conselho de Ministros! A confirmar o seu xenofobismo, como teve de recorrer a amas suecas, para cuidar dos filhos gémeos - Mark e Carol - muitas vezes comentava que tinha de ir depressa para casa porque receava que os filhos viessem a aprender inglês com sotaque sueco! Como a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra britânica, e a primeira governante a manter-se no posto depois de três bem sucedidos embates eleitorais sucessivos, especialmente num partido de grandes tradições aristocráticas e historicamente dominado pelos homens, só uma mulher - a primeira mulher também a ocupar semelhante cargo na Europa. Elevada a baronesa, com o título de "Lady" Thatcher de Kesteven, atingiu o pináculo da política "Tory" [título atribuído aos Conservadores] (*). Pessoa habituada à controvérsia, na vida política, Margaret Thatcher começou a ser notada – e detestada - principalmente pelas mães das crianças, quando, como Ministra da Educação, entre 1970 e 1974, no governo do que viria a ser "Sir" Edward Heath (1916-2004), aboliu o leite gratuito que era distribuído às crianças, nas escolas primárias. Porém, a maior surpresa da sua carreira surgiria quando em 1975, depois da derrota governamental de Heath, desafiou o seu colega na liderança do partido, conquistando o posto, que passou a ocupar a 5 de fevereiro de 1975. Foi a partir desta altura e rodeando-se de grandes pensadores da direita, como o que veio a sucedê-la no posto ministerial que ocupara sob Heath, nomeadamente o falecido "Sir" Keith [Sinjohn] Joseph (1918-1994) e Airey Neave [que foi assassinado em 30 de março de 1979, pelo grupo terrorista norte-irlandês INLA, que colocou uma bomba no automóvel que se encontrava estacionado no parque da Câmara dos Comuns] e, com a assistência do então emergente Instituto Adam Smith, sob a direção do seu fundador, Dr. Marsden Pirie, preparou-se habilmente para o governo, cujo posto de primeiro-ministro ocupou em 1979. Campeã da simplificação e da redução do papel do governo, uma das principais ideologias da extrema direita Conservadora, mas centralista da gema, dedicou-se inteiramente ao monetarismo e à doutrina advogada pelo Professor americano e Prémio Nobel de Economia, Milton Friedman (1912-2006) (+), como espinha dorsal da política económica do seu mandato. A Margaret Thatcher, porém - e justiça lhe seja feita - devem-se, especialmente, três importantes e até então muito necessárias reformas, que nenhum governo trabalhista antes dela conseguiu, embora a custo de elevadas taxas de desemprego: transformação de uma predominante anquilosada e incompetitiva indústria pesada, especialmente no norte da Inglaterra, e na zona de Glásgua, na Escócia, para a indústria eletrónica e ligeira (1), bem como o sector de serviços; cobro ao predomínio e, em alguns casos nepotismo sindical; política de privatizações, em que foi copiada no mundo inteiro, e ao desenvolvimento do mundo bancário e financeiro, geralmente designado na Grã-Bretanha de puramente, "City", em que se seguiu o encorajamento e a promoção da aquisição das ações por parte do público, que enquanto em 1979 existiam apenas 3 milhões de acionistas, em 1987 triplicou para 9 milhões, o que justificou o título de "democracia do capitalismo", em que se notabilizaram tanto a British Telecom (telefones) como (*) O termo "Tory", embora originalmente com conotações pejorativas, relacionadas com os ladrões de gado irlandeses foi atribuído aos políticos que se começaram a notabilizar no termo do reinado de Carlos II. Porém, a sua origem pode ser traçada, 25 anos antes, aos realistas que se opuseram a Carlos I. O partido, teve origem em 1681, dando lugar, depois da fusão com os "Whiggs" e Unionistas, ao atual Partido Conservador, em 1886. (Vide An Appettite for POWER A History of the Conservative Party Since 1830, págs. 16 e 22) (Edição de HarperCollins) (+) O ministro das finanças do governo de Bill Clinton e professor de economia da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, afirmou na revista The Time (25 de dezembro 2006-1 de janeiro 2007) que "se Keynes foi o economista mais influente da primeira metade do século XX, Milton Friedman foi o mais notável da segunda". (1) Em finais de de 2011 a indústria manufaturadora britânica estava reduzida a 2.5 milhões de trabalhadores -68- a Companhia do Gás (British Gas), até então confinada a instituições financeiras. Mas a ela também se devem pelo menos dois dos piores males da sociedade britânica: o inaceitável alargamento do fosso entre o rico e o pobre e o até então inédito crescente egoísmo da geração do seu período de governo, incluindo a que lhe foi atribuída falta de respeito pela autoridade por parte da juventude no decurso dos seus 18 anos de mandato (*). O aumento da pobreza - um dos maiores “legados” de Thatcher No primeiro caso, como se cita na obra Inequality in the UK, (Oxford University Press, 1997) "...nos anos 60 aos meados de 70, a taxa da pobreza era relativamente estável. Porém, nos finais de 70 e de 80, a situação tornou-se claramente diferente, com a taxa da pobreza (HBAI) a subir vertiginosamente, na fase final do período..." e no estudo "Tackling Poverty and Extending Opportunity" do Ministério Britânico das Finanças (29 de março de 1999), em que se revela que 12 milhões de cidadãos britânicos, então cerca de um quarto da população nacional, vivia em estado de pobreza, apontam-se, igualmente, outros aspetos marcantes. A divisão entre o rico e o pobre alargou-se "substancialmente" depois de 1977, situando-se numa diferença de 30%. Salienta ainda o estudo, que os autores afirmam ter sido o maior do género, que as raízes da pobreza não foram súbitas na classe etária adulta, mas que predominavam desde a infância. Outro facto revelador é que, por haver, nessa altura, mais crianças entre famílias pobres, prejudicou tanto a educação como a oportunidade em singrar na vida. Foi esta situação, que levou o governo dito "Novo Labour", de Tony Blair, em setembro de 1999, a lançar um plano para, significativamente, reduzir a taxa de pobreza, pelo menos dentro de cinco anos. Mas no meio deste período e, não obstante o lançamento do salário mínimo de 3 libras e 60p por hora [posterior e regularmente atualizado], segundo a fundação Joseph Rowntree, a quem se deve o estudo Monitoring Poverty and Social Exclusion 1999 (Estudo da Pobreza e da Exclusão Social), dois anos e meio depois de um governo trabalhista, no fim de 1999, 14 milhões de pessoas viviam abaixo das taxas médias de pobreza oficiais, incluindo 4.4 milhões de crianças. (+) Este facto, mereceu a admissão de Guy Palmer, diretor adjunto do New Policy Institute, entidade de estudos políticos muito perto da esfera do governo de Tony Blair [no Poder até outubro de 2007], citado pelo matutino The Daily Telegraph, de 8 de dezembro de 1999, "embora haja áreas em que se nota melhoria, não existe um padrão genérico. O que é visível, porém, são as desigualdades tanto no domínio da saúde como da educação, que estão a piorar." Segundo a já citada reputada e independente Fundação Joseph Rowntree, no seu estudo, intitulado Poverty and wealth across Britain 1968 to 2005 (Pobreza e Riqueza na Grã-Bretanha 1968 a 2005), publicado em julho de 2007, em resumo, afirma: a) desde 1970, a média por área da pobreza e riqueza na Grã-Bretanha alterou significantemente. Na realidade está-se a regressar aos níveis de desigualdade na riqueza e na pobreza verificados há mais de 40 anos; b) Nos últimos 15 anos aumentou o número de lares pobres, mas verificou-se menor número de muito pobre; c) As áreas ricas tornaram-se desproporcionalmente mais ricas, aumentando a polarização entre o rico e o pobre e em algumas cidades mais de metade dos lares situam-se no limite mínimo da pobreza; d) Enquanto aumentaram os grupos de pobreza urbana os lares mais abastados passaram a concentrar-se nas periferias das cidades, nomeadamente em Londres; e) Os lares ricos e pobres tornaram-se mais geograficamente segregados do resto da sociedade e f) A média dos lares, nem pobres nem ricos, tem diminuído em número e gradualmente desaparecido de Londres e da região sudeste. (*) Esta acusação foi feita em abril de 2006 por Brian Garvey, presidente de um dos dois maiores sindicatos de professores, NASUWT, ao afirmar "que não preciso de me desculpar ao adicionar o meu nome à longa lista de pessoas que acham que Margaret Thatcher prejudicou mais a sociedade em que vivemos do que qualquer outra pessoa dos últimos tempos...uma vez que ela encorajou e destruiu, mais do que ninguém, as estruturas sociais, contribuindo ainda para a crescente falta de respeito por parte dos alunos nas classes das escolas do país”. (The Independent 13 de abril de 2006) (+) Segundo o The Institute of Fiscal Studies, a percentagem projetada das crianças a viver em absoluta e relativa pobreza, em 2020-2021, e entre 23 e 24% respetivamente. Portanto muito aquem do objetivo do governo, estabelecido por lei, de 5 e 10% (The Independent , 8 de maio de 2012) -69- Foi, igualmente, o xenofobia e anti-europeísmo de Thatcher que contribuiu para a radicalização dos "turcos" conservadores e o agudizar da xenofobia, assim como o degladiar no seio do partido que não só levaram à humilhante deposição da então primeira-ministra, em novembro de 1990, como contribuíram para o vexame eleitoral de 8 de maio de 1997, do seu sucessor, John Major, imposto por Tony Blair, pondo termo a 13 anos de afastamento do poder devido às várias vitórias eleitorais dos Conservadores. Com a vitória de Tony Blair e a emergência do chamado “Novo Labour”, até maio de 2010, com a derrota deste, e já com Gordon Brown como seu sucessor, mas também batido, surgiu, pela segunda vez em setenta anos, a coligação entre Conservadores e Liberais Democratas, liderada pelo Conservador David Cameron com Nick Clegg como seu vice.