sexta-feira, 26 de novembro de 2010

FRANÇA/GRÃ-BRETANHA: ENTERRADO, FINALMENTE, O MULTI SECULAR MACHADO DE GUERRA E A LONGA RIVALIDADE?

O Tratado Militar anglo-francês, assinado no passado dia 2, em Londres, em que os dois países partilham de recursos militares pelo menos até daqui a 50 anos, poupando cada um deles centenas de milhões de euros, prontifica várias e pertinentes questões: Realismo ou Génesis de Uma Força Europeia Conjunta? Embora dois dos mais importantes parceiros tanto na União Europeia como na OTAN, os dois vizinhos, apenas separados pelo estreito do Canal (para os Franceses Le Channell de la Manche, mas para os Ingleses, The English Channell), mas agora ligados pelos 42km do Eurotúnel, a História é abundante em guerras, inimizades e rivalidades. Enterrado o machado de guerra? Nova e histórica era de co-operação? Foi o que os dois dirigentes signatários, Presidente Sarkozy e o primeiro-ministro, David Cameron, afirmaram! Se para o Presidente Sarkozy trata-se “de uma decisão sem precedentes, demonstrando nível de co-operação e confiança entre os dois países, caso único na história”, para David Cameron “o princípio de algo novo...um tratado baseado em pragmatismo e não em sentimento”. Pragmatismo, sem dúvida, particularmente quando forçado por questões económicas dos dois países, desde a Entente Cordiale, assinada em 1906.

Após um multi secular historial, de conflitos e traições mútuas, sem dúvida os dois vizinhos concluíram um notável e histórico tratado, em que, no futuro, em vez de se degladiarem, lutarão juntos, com os recursos mútuos. Mas, como David Cameron, conhecido eurocéptico, fez questão de frizar, não está em causa a independência e soberania, pelo menos do seu país! Boas intenções, perfeitamente, mas como o matutino francês Le Figaro assinalou, as boas e optimistas intenções “têm que ser gravadas em pedra”, ou melhor, da intenção à prática! Esta, a grande incógnita levantada principalmente pelos cépticos britânicos, quando está em causa a partilha conjunta tanto de homens (força expedicionária composta por 10, 000, incluindo comandos, serviços especiais e infantaria) como de material bélico, incluindo aviões e porta-aviões, investigação e aperfeiçoamento de equipamento militar, ou, mais delicadamente ainda, a investigação e testes de equipamento nuclear, incluindo ogivas, em que a França está à frente, pelo menos em simulação informática. Outra importante extensão é a partilha de investigação na ciência cibernética e na tecnologia e combate de minas marítimas. Separação dos Estados Unidos, esse grande sonho de de Gaulle, génesis de um Exército Europeu, anátema dos britânicos? Em relação à primeira questão, segundo fontes do Pentágono, a separação dos EUA não está em causa uma vez que os britânicos estão dependentes, e partilham, de sistemas nucleares americanos, como é o caso do Trident. Porém, e em relação ao início de Uma Força Militar Europeia, é cedo para se fazerem conjecturas! Mas, este entendimento entre as duas principais potências europeias de defesa e membros da UE, pode muito bem ser o princípio! Se assim for, o mais irónico é o facto da sua génese ter partido de um eurocéptico como David Cameron! Pragmatismos, como ele afirmou? Vejamos. O tempo o dirá! Intenção aflorada na Cimeira de St. Malo, em 1998, entre Jacques Chirac e Tony Blair, e, nos últimos anos, avançada peloseu sucessor, Gordon Brown, coube a David Cameron e Nicholas Sarkozy, confirmarem e selarem o acordo no vetusto e histórico palacete de Lancaster House. Para trás, enterradas pelo machado de guerra, ficam para a História as quezílias, disputas e confrontos nos campos de batalha, que remontam à invasão de Guilherme, e o seu exército normando, em 1066, como bem o tipifica esse belo e enorme documento, As Tapeçarias de Baieux, da Batalha de Hastings, exibidas não muito longe, no Museu de Bournemouth. Para trás, também, fica a Guerra dos Cem Anos, do século XIX, que culminou com a vitória britânica em Agincourt, em 1415, as guerras napoleónicas e a vitória de Trafalgar. Tudo isto é apenas névoa de uma história distante, quando novos horizontes se desbravam entre os dois antigos inimigos, mas que, também juntos, afastaram a ameaça Nazi!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

BIRMÂNIA – QUE FUTURO?

SAUDEMOS A LIBERTAÇÃO da laureada Nobel, Aung San Suu Kyi (pronuncie-se Ong San Sú Xí), detida, desde 1988, em prisão ou prisão domiciliária, 15 dos últimos 21 anos. Porém, um aviso: não a confundamos com a libertação de Nelson Mandela nem, tão pouco, no contexto da África do Sul. A que é considerada “mãe do nosso país” pelas dezenas de milhar de adeptos que a aclamaram, e que, segundo o veterano jornalista da BBC, John Simpson, 70% do país está com ela, as suas primeiras palavras de exortação foram “unidos para atingirmos o nosso objectivo”, pelo que “não devemos perder a esperança”! Esperança, é, portanto, a mensagem! Porém, permanece a incógnita: abertura do regime? Possíveis e limitadas negociações com a libertada dirigente? Perante o longo historial do opressivo regime, a opinião diverge. Uns, mantém que a libertação de Suu Kyi não passa de um acto de relações públicas para agradar aos amigos asiáticos da ASEAN, nomeadamente Singapura e a Indonésia! Por isso, não se confunda por acto de desejada democracia quando a preocupação do regime foi previamente reforçar a sua posição! Depois das chamadas “eleições” gerais, realizadas a 7 do mês passado, preparou-se bem o terreno seleccionando os seus acólitos e, antes, reforçar a sua posição com a revisão da Constituição de 2008 que concede 25% dos 440 deputados e 224 senadores, às Tatmadaw (Forças Armadas), com a alegada vitória de 80%, numa fraca frequência às urnas, e muitos que o fizeram, não foi de livre vontade, está garantida a continuação do regime numa pretensa e alegada reforma democrática, quando ainda 2,200 presos políticos permanecem nas prisões e milhares de refugiados se encontram deslocados na vizinha Tailândia.! Porém, e segundo o já citado John Simpson, “trata-se de uma grande decisão e desafio para o regime militar, com possíveis consequências de uma desejada abertura e possível diálogo”. Só o tempo o dirá! Entretanto, como desejável pano de fundo histórico, tentemos penetrar no denso véu de um dos mais obscuros, secretivos, pobres, corruptos (penúltimo lugar da tabela internacional da Transparency International), mas mais militarizado país do Mundo, incluindo as bem especuladas possibilidades de poderio nuclear!

A Birmânia, que o poderoso e brutal regime militar, insiste em baptizar Myanmar., país pobre, não necessariamente pela falta de recursos naturais, mas extremamente rica em ouro e outros minerais, madeiras preciosas, petróleo, gás e ópio, cuja população, sem direito à terra, embora com a superfície de 678,500 km2, fazendo dele o 40º mais vasto país do Mundo, depende da agricultura, é um país detentor de uma história milenar belicista, monárquica, até 1885, forjada com a conquista de vários reinos, finalmente unificados, e profundamente imbuída pelo Budismo, que em 1960 foi reconhecido como religião nacional. De passado belicoso, particularmente em relação à vizinha Tailândia, cuja capital, então Ayutthaya, (ainda nome pela qual os birmaneses classificam a Tailândia) foi três vezes destruída (1564, 1569 e 1767), a Birmânia, antiga colónia britânica desde 1885 até 1948, é formada por 135 etnias, sendo a bangladeshi a mais predominante, mas não reconhecida pelo actual regime. País cioso das suas tradições, enraizadas por um budismo extremamente anti-colonial, geograficamente estratégico, cuja Baía de Bengala é ciosamente disputada pelas emergentes potências, India e China, para esta particularmente por ser a maior e mais importante via de transporte petrolífero, salvo os primeiros 14 anos de governo civil, cedo caíu em poder dos militares, primeiro em 1962, excepto o breve interregno de 1958-60. Administrativa e politicamente separada da Índia, em 1937, e ocupada pelos Japoneses em 1942, durante o consulado civil, em que se distinguiria a chefia de Aung San – 1911-1947- (pai de Aung San Suu Kyi), a quem se devem tanto as negociações da independência, com o primeiro-ministro britânico, Clement Atlee, em 27 de Janeiro de 1947, como a formação da moderna Birmânia, este altamente respeitado estadista, particularmente pelas etnias, a quem convenceu a adesão a uma Birmânia Federada, seria assassinado, juntamente com vários membros do seu gabinete, em 19 de Julho de 1947. Com as primeiras eleições em 1960, mas que depois de crises étnicas, o primeiro golpe militar ocorreria em 1962. Com o segundo golpe militar, em 1988, surgiu à ribalta política a filha, Suu Kyi, por casualidade de passagem pela Birmânia, para cuidar da mãe, uma vez que, como residente e casada na Inglaterra com um professor de Oxford, que morreu de cancro em 1999, e proibido de visitar a mulher, Suu Kyi, com o sangue do pai a fervilhar, particularmente depois do levantamento popular de 1988, em que os militares mataram brutalmente cerca de 10 mil pessoas, não se pôde conter, permanecendo no país à frente do partido, Liga Nacional para a Democracia, ganhando as eleições realizadas em 1990. Adversária a abater, ou melhor, a controlar, foi detida em regime de residência vigiada.

Porém, a mais notável revolta popular, esta oriunda dos clérigos budistas, e intitulada “Revolta do Safrão”, devido à cor dos trajos dos monjes, surgiu em 2007, debelada com a mesma represália e brutalidade anteriores. Regime imposto a ferro e fogo à população, particularmente apoiado pela China, que além de vizinha é a sua maior parceira comercial, embora largamente ostracizado pelo Ocidente, aderiu à ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), em Julho de 1997. Subjugada, a pobre população seria vítima, no ano seguinte, pelo desasrre provocado pelo ciclone Nargys que matou mais de 138 mil pessoas, mas que afectou 1,5 milhões em que a maioria perdeu os seus lares.