quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A MAIS LONGA, BEM PREPARADA E INCERTA JORNADA!

No Egito antigo, quem fosse rico, nobre, membro do alto clero ou da família real, a maior preocupação, depois da morte, era a preparação para a mais longa e incerta jornada da vida eterna. A ilustrá-lo o Museu Britânico montou uma das suas mais notáveis e raras exposições sobre este tema e, em particular, sobre O Livro da Morte. Não um simples volume, mas um conjunto ou de documentos, em papiro, ou simples inscrições nos caixões dos defuntos. Na realidade, o indispensável passaporte para o Além. Mas não a garantia de completo sucesso! No Livro da Morte constam tanto as virtudes em vida do falecido, como, e muito especialmente, a compilação de um guia de palavras mágicas que garantam o sucesso da travessia para a almejada eternidade. Na realidade uma janela aberta aos complexos credos e práticas dos egípcios antigos, quanto a uma das suas principais preocupações sobre o Além. Esta, uma das maiores – e única - mostras de sempre, reunindo numa só exposição a vasta documentação sobre este tema de que o Museu Britânico é possuidor! Uma das principais atrações, pela primeira vez exibidas na sua totalidade, é o mais longo Livro da Morte - 37 metros de comprimento! Trata-se do Papiro (Edith Mary) Greenfield, nome da colecionadora e dadora de tão raro e belo documento, ao Museu Britânico, em 1910. Além deste, constam ainda papiros raros sobre o mesmo tema, como é o caso do Papiro Hunefer, Anhai e Papiro Nebqed, este último especialmente emprestado pelo Museu do Louvre. Intitulada Jornada depois da Morte: O Antigo Livro da Morte Egípcio, esta excecional exposição reuniu a mais completa coleção tanto de papiros como de objetos de necrofilia – caixões, múmias e joias fúnebres raríssimas. O Livro da Morte era um dos objetos indispensáveis e variados. Desde o papiro enrolado à múmia, mas especialmente aos magnifica e laboriosamente ilustrados documentos, separadamente enrolados, talvez o mais notável seja o já citado Hunefer (cerca de 1289AC). Neste belíssimo manuscrito encontra-se todo o desenrolar gráfico da longa e incerta viagem para o Além. Retratando o escrivão real a entrar no Hades, liderado por Anubis, o deus de cabeça de jacal e protetor dos mortos, ao lugar do julgamento, onde, finalmente, o coração do escrivão é pesado e, dependendo da acusação e defesa, entrará na porta da vida eterna ou o coração consumido pelo Devorador (vejam-se mais adiante outros pormenores) e, consequentemente rechaçado. Como se afirmou acima, o indispensável passaporte para a eternidade! Na realidade os Livros eram variados e diferentes. Usados durante mais de 1500 anos, entre 1600AC e 100AD, até agora foram descobertos mais de 200 exemplares, alguns dos quais estão ainda a ser estudados. Todos em pergaminho, obviamente muitos deles em adiantado estado de deterioração, além dos já citados, outro igualmente notável é que foca Nesitanebisheru, mulher famosa e poderosa, que morreu cerca de 930AC, filha de Pinedjeni II, Sumo Pontífice de Amun e Thebes, também Soberano do Egito Superior. “Livro” diferente, pois nele constam dados invulgares a qualquer outro, talvez a pedido da falecida. Desde o ritual da abertura da boca do cadáver, a fim de insuflar energia e vida para a longa jornada, ao embalsamar, com o intuito de preservar e evitar a deterioração do corpo, ato classificado de sah, mas especialmente, a destituição de todas as impurezas para ascender à divindade, confirmada pela colocação da máscara dourada, símbolo do corpo dourado, a múmia, acompanhada de amuletos símbolo de poder e de proteção, ao ser colocada no caixão, jamais poderia ser vista por seres humanos. É aqui que se encomenda o corpo aos deuses de forma a que lhe seja dado o poder e o espírito de o controlar, especialmente na preservação do coração que para os antigos egípcios era a sede da razão e, a mente, como local de identidade. Porém, o maior teste da jornada é o julgamento. Tal como já foi antes abordado, ao descrever o Papiro Hunefer, no salão do julgamento sentam-se 14 deuses-juízes em frente dos principais, como Ra, deus do sol e criador do mundo, com cabeça de falcão; Osiris, deus dos mortos e do Hades, o único com cabeça humana idêntica à dos faraós, Thoth, com cabeça da ave Ibis, deus da escrita e do conhecimento, e Horus, filho de Isis e Osiris agindo como intermediário entre os mortos e Osiris. O candidato à vida eterna entra no salão conduzido por Anubis, o referido deus protetor dos mortos embalsamados, com cabeça de jacal, a quem compete pesar o coração na balança do julgamento. Depois de ouvida a defesa, a prova final está no peso do coração na balança e decidida a sua sorte. Caso se conclua a veracidade dos factos, provada pelo peso do coração, abrem-se as portas do paraíso, numa jornada bem sucedida; caso contrário é lançado no Hades, ato confirmado pelo coração devorado pelo Devorador, representado por cabeça de crocodilo, pernas frontais de leão e, da retaguarda, de hipopótamo.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

JOHAN ZOFFANY – Pintor e retratista observador da Sociedade O nome de Johan Zoffany, como pintor, pode, à primeira vista, não despertar grande atenção do/a leitor/a. Se assim é, não está só! O mesmo aconteceu comigo, pois era-me completamente desconhecido! Não surpreende, que ao ver a exposição, realizada na reveladora Royal Academy of Arts, em Piccadilly, em Londres, regressei maravilhado por tão inesperada e educativa experiência. De origem alemã, natural de Francoforte, em cuja proximidade nasceu, em 1733, e onde, depois de treino em Roma, na década de 1750, se notabilizou como artista, junto do influente prelado e patrono, o eleitor, príncipe-arcebispo de Trier (Rineland, junto ao rio Mosele, na Alemanha), ao mudar-se para Londres, em 1760, foi, porém, na capital britânica em que mais se notabilizaria. Primeiro junto de altas figuras teatrais da época, como o ator empresário David Garrick (1717- 1779), do qual e de principais colegas seus, igualmente famosos, se notabilizou em inúmeros retratos, refletidos na excelente secção da exposição, “Garrick e o Palco Londrino”, em que revela um brilho invulgar, à altura, ou até ultrapassando muitos mestres-artistas consagrados, principalmente no detalhe e estrutura. A esta fase, seguiu-se outra mais importante, a introdução na corte de Jorge III, com particular ênfase para a rainha Carlota e, daí a sua amiga, mais tarde admiradora e influente patrona, a Imperadora Maria Teresa da Áustria, de cuja família a ele se devem magníficos retratos. A demonstrá-lo, e em relação à primeira, na exposição destacava-se a Rainha Carlota e os seus Dois Filhos mais Velhos (parte da Coleção Real britânica), em que Zoffany não só se destaca como invulgar artista, mas, acima de tudo, no novel tratamento da colocação dos intérpretes, numa pose doméstica. É, porém, na secção Royal Academy de que foi membro, em que o artista se revela e excela como pintor, diríamos fotógrafo, na seu extraordinário quadro de grupo de inúmeros membros, envolvidos na observação de um modelo masculino nu. Outro trabalho, subordinado a este tema, é o magnífico contraste, Academia vista à Luz da Lâmpada (1761-62), embora com menos personagens, de novo frente a um modelo masculino nu, em que se destacam as múltiplas estatuetas na prateleira como pano de fundo. Porém, é na secção Famílias e Amigos em que Zoffany se destaca como retratista ímpar, predominando o contraste entre luz e pano de fundo, excedendo mestres da que tanto se notabilizou nesse domínio, a Escola Flamenga. Outro notável exemplo é o seu trabalho Thomas Rosaman e a sua Família (1781), ou ainda o extraordinário quadro, A Família Sharp (1779-81), em que se salienta, de novo, o contraste e o pormenor particularmente na roupagem, no primeiro, da mulher do homenageado e das filhas, estas a apontar para o pai e o irmão, que se encontram num pequeno barco a remos com um contrastante e sombrio pano de fundo, e, no último, o pormenor dos vários participantes, incluindo o cão, em primeiro plano. Desta mesma classe, há, igualmente, que incluir o belo quadro Pedintes da Estrada para Stanmore (1769-70), John Caff e o seu Assistente (1772), este a predominar a simplicidade de um artífice e, ainda A Bancada de Fruta Florentina (1777), em que, além do esquisito pormenor dos vários vendedores, predomina, mais uma vez o elaborado contraste luminoso ao sombrio fundo e das personagens e frutas. Igualmente notáveis, são os elaborados trabalhos de Zoffany, com miríade de personagens, como O Assalto À Adega do Rei, em Paris (1794), que, como resultado, retrata a centena ou mais de assaltantes, ébrios, em posições caricatas. Excelente e inolvidável revelação, de um artista, até aqui possivelmente pouco conhecido do grande público, e ao qual se fez jus, veio a falecer em Londres, em 1810 e cuja sepultura se encontra a par de outro Mestre da pintura britânica, Thomas Gainsborough (1727-88), em Kew, onde viveu. A complementar a miríade de trabalhos, desta reveladora exposição faziam, igualmente parte, várias pinturas sobre cenários e personagens influentes de países que visitou, como a Índia e a Itália.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

AS FASCINANTES ENTRANHAS DE PARIS Alexander Dumas conhecia-as muito bem, pois classificou-as da “consciência da cidade”. Foi dali que saíram os andrajosos vagabundos do seu fascinante e maravilhoso romance, Les Miserables, tão belamente adaptado para o teatro, como peça musical, por uma companhia londrina, que é sucesso de bilheteira há já vários anos, e era ali que se escondia o Corcunda de Notre Dame! Como as entranhas de Paris não são ficção, explorêmo-las, servindo-nos daqueles conhecidos por cataphiles como guias, cujos recônditos lhes são tão familiares! A começar, os subterrâneos de Paris, antiquíssimos como são, são igualmente os mais extensos do mundo! No subterrâneo de Paris existem os mais variados espaços: Desde canais e reservatórios a criptas, cemitérios e caixas fortes subterrâneas para esconder e guardar as montanhas de ouro nacional! São, porém, as suas enormes pedreiras subterrâneas, perto da Catedral de Notre Dâme, que lhe deram vida e beleza, as famosas carriéres, cujas rochas deram lugar aos enormes e belos edifícios da superfície, que a tornaram famosa e, que até 1955, era ilegal visitá-las. A situação mudou por completo a partir de 1970, em que a revoltada cultura “punk” decidiu fazer delas e, descobrindo muitas outras, local de festas e orgias, centro pinturas, mas também dominadas pela droga! Atualmente, tal missão compete aos cataphiles, destemidos jovens, que ao insistirem explorá-las fazem delas “hóbi” permanente. Não obstante as tentativas da polícia especial, nunca conseguiu impedir o seu assédio. Antes deles, e durante a II Grande Guerra, as catacumbas da capital francesa foram refúgio de milhares de elementos da Resistência. Segredo bem guardado, principalmente para irritação dos ocupantes alemães! Segundo o Prof. Philippe Charlier, da Universidade de Paris, que as estuda com todo o esmero, tanto a nível arqueológico como forênsico, no vasto cemitério subterrâneo estiveram seis milhões de corpos, o triplo da atual população da capital, de que apenas restam tíbias e crânios. Embora em sua maioria datados da Revolução Francesa, muitos remontam ao período Merovíngio, ou seja há mais de 1.200 anos. Porém, a descoberta das enormes pedreiras e até minas de gesso remontam ao período de Louis XIV, quando em 11774 se verificou um desabamento. Antes, porém, começaram aser usadas já nno século XII, de onde pedra continuou a ser extraída até que nos séculos XV e XVI foram reforçadas a fim de evitar maiores desabamentos. Muito acima delas o sistema de esgotos foram reforçados e aumentados no século XVIII, quando, pouco antes, mesmo no Palácio de Tulherias, o conteúdo dos penicos reais era atirado à rua e, no de Varsalhes, conhecido pelo fétido, aos terrenos vizinhos! Os bas fonds parisienses, não obstante a sua enorme extensão, ramificados em centenas de quilómetros, encontram-se praticamente todos identificados. Verdadeiras minas, neles têm-se encontrado diamantes e peças de ouro. Mas o maior tesouro, cerca de 2.600 toneladas, este oficial, está na profundidade de 36 metros, por baixo do Banco da França. A sua entrada, obviamente, é ultra-secreta Muito cobiçada pelos espertos gatunos, mas não obstante os esforços, não conseguiram dominar os pesados e maciços portões de aço! E, para os desenganar dizem que o acesso não é possível através da rede do velho metropolitano! Nota: Agradecimento a National Geographic em que esta peça é baseada (edição inglesa – fevereiro de 2011)