quinta-feira, 21 de abril de 2011

O 25 DE ABRIL E A DIPLOMACIA BRITÂNICA

Vivido intensamente a partir da Grã-Bretanha, o 25 de Abril foi por mim diretamente acompanhado Para isso, como ponto alto, decidi ouvir o falecido Lorde Callaghan, ministro dos negócios estrangeiros no segundo governo de Harold Wilson, durante o período. Para este estadista, o governo britânico da época, do qual fazia parte, estava mais preocupado com a situação em Portugal do que propriamente os americanos. Confirmando o que já é do domínio público, que o então secretário de Estado americano, Henry Kissinger "estava convencido da impossibilidade de Portugal escapar -à anexação comunista". Lorde Callaghan revelou que, em resposta, disse a Henry Kissinger que discordava que assim fosse "pois nunca tive dúvidas que isso viesse a acontecer, uma vez que Mário Soares estava à frente dos acontecimentos e determinado a evitá-lo. Foi com base nessa firme convicção e no meu conhecimento de Mário Soares, uma experiência de há muitos anos, que disse a Henry Kissinger, que ele estava determinado a lutar até ao fim. pelo que contaria com todo o nosso apoio. Foi isso que fizemos na altura por vários meios." A rematar, Lorde Callaghan revelou um inédito e interessante episódio. "Lembro-me claramente de que Henry Kissinger, meio duvidoso, à guisa até de gozo, disse-me, a terminar: Bem, se assim pensa, boa sorte!"

Este interessante episódio é reforçado pelo jornalista americano Walter Isaacson, na sua biografia de Kissinger. Apontando o pessimismo constante de Kissinger sobre a ameaça do eurocomunismo e a fraqueza dos aliados da NATO em tolerá-lo, estava "disposto a pensar o pior sobre Portugal". Revelando ainda o episódio entre ele e o então ministro dos negócios estrangeiros, Mário Soares, que foi expressamente a Washington para tentar atenuar o ceticismo do seu influente homólogo em relação à predominância do Partido Comunista no governo e no país, Kissinger surpreendeu o visitante, com base no idealismo socialista da Rússia revolucionária de 1917, com a desafiadora afirmação "Você é um Karensky. Creio na sua sinceridade, mas não passa de um ingénuo"! "Definitivamente não pretendo ser um Karensky", retorquiu Mário Soares, ao que Kissinger arrematou "muito menos o próprio Karensky".. Em Setembro de 2006, o autor solicitou, por escrito, ao Dr. Mário Soares a confirmação tanto deste acontecimento como dos comentários de Lorde Callaghan. Infelizmente o seu pedido não foi correspondido!

Mário Soares, porém, seria constante ponto de referência no abundante e preocupante tráfico diplomático britânico - Lisboa/Londres e Londres/Lisboa - durante a maior parte de 1975. Consultado no Arquivo Nacional Britânico, com sede em Kew Gardens, a sudoeste de Londres, Mário Soares é nele assíduo ponto de referência. Compreende-se! Compreende-se principalmente pelo facto de ser o então combatente e forte defensor da democracia, quando ela se encontrava em grave perigo e, por isso, compreensível e abundantemente mencionado nos referidos despachos britânicos. O melhor exemplo é a carta do então embaixador britânico em Lisboa, N. C. C. Trench, de 18 de Junho de 1975, dirigida ao seu ministério em Londres, sintetizada, como ele afirma “numa completa e irreparável tragédia”. Referindo-se ainda, no momento da redação da missiva, que o Conselho da Revolução se encontrava ainda em sessão, “possivelmente a chocar lamentáveis ovos”, concluíu, afirmando que “o país continua a deslizar para a esquerda”. Neste abundantíssimo tráfico diplomático, é igualmente interessante notarem-se pormenores e opiniões sobre prisões desregradas a várias figuras, em todo o país, o que provocou reparos da diplomacia britânica em Lisboa, em contacto com dirigentes do Conselho da Revolução; encerramento do jornal República, ataques e roubo de munições em Santa Margarida e sobre figuras políticas portuguesas de então. Como exemplo, citam-se casos, especialmente resultantes de encontros, nomeadamente almoços com o embaixador britânico ou seus colegas mais importantes. Enquanto em relação a Salgado Zenha, então Ministro da Justiça, “seja menos vivo (colourful) que Soares e de menor apelo popular, é inteligente e corajoso com temperamento menos volátil que Soares”, quanto ao então dirigente do PPD, Emidio Guerreiro, “embora estando nos meados dos seus 70, deu a impressão de considerável vigor intelectual e político, mas tenho dúvidas que seja o homem adequado, nas circunstâncias atuais, para liderar o partido”, acrescenta ainda, e citando Mário Soares, que sobre ele “nutria fortes suspeitas”. Citando ainda Mário Soares e referindo-se ao PPD, como “partido sem convicções, tanto virado para a direita, como para a esquerda”, dependendo ainda dele, num despacho datado de 30 de Maio de 1975, o embaixador afirma que, num almoço em que Mário Soares era acompanhado pelo seu chefe de gabinete, Sá Machado, o seu convidado dirigente lhe afirmou que “Portugal, estando à beira do desastre, estava pessimista quanto ao futuro da República”.

Quanto à análise de outras personalidades políticas do nosso país o embaixador faz particular referência a Marcelo Rebelo de Sousa, figura convidada em almoço, de quem disse em despacho de 14 de Maio do mesmo ano, considerar possuidor “de brilhante intelecto”. Porém, e com a realização de eleições legislativas, em 25 de Abril de 1975, em despacho datado de 6 do mesmo mês, que tratando-se de “um importante evento, mais importante se torna pelo facto de em apenas dentro de um ano “(da data do início da Revolução). Outro pormenor interessante constante nos dez massiços volumes de correspondência diplomática, como curiosidade, consta ainda um despacho referente ao encontro do então embaixador americano em Lisboa, Frank Carlucci, com o Presidente Costa Gomes, com a nota que a delegação diplomática americana era invulgarmente muito mais numerosa “do que normalmene a nossa”, salienta a insatisfação do Presidente que, por isso, se referiu aos americanos que por “estarem preparados a dispender enormes verbas no Vietname, deveriam, igualmente investir em Portugal.” Em vez disso, continua a citação do presidente, os americanos ”negam o investimento a Portugal, que com o turismo a declinar, que espécie de apoio é esse?”, desabafou!

Extrato de Por Terras de Sua Majestade, de minha autoria, e que aguarda publicação.

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