quinta-feira, 10 de março de 2011

A FRESCA BRISA DO MUNDO ÁRABE

Para o conceituado historiador britânico Simon Shama, ao referir-se à vaga popular da queda de regimes despóticos do Mundo Árabe, que naturalmente classificou de “período excitante” a Primavera, não Verão ou Outono, é a estação ideal do ano para Revoluções. Aconteceu, disse, em França em 1948 e, embora não o tivesse mencionado, o mesmo sucedeu em Abril de 1974, em Portugal. O que, porém, também não disse foi que as revoluções da Europa do Leste , em 1989, ocorreram no Outono.
Porém, o génesis dos terremotos político-sociais que atualmente assolam o Magrebe e o Próximo Oriente, surgiram no Inverno, quando o jovem de 26 anos, vendedor de fruta, Mohamed Bouazizi, ao ver-lhe destruída sua bancada, para a qual não tinha licença, na cidade de Sidi Bouzid em 17 de Dezembro 17 do ano passado, com o futuro e ganha-pão despedaçados decidiu pôr termo à vida embebendo-se em gasolina e ateando fogo a si próprio. Acto que mal foi ouvido pelo então presidente de 23 anos, Zine el-Abidine Ben Ali, decidiu visitá-lo no hospital, mas sem sucesso, não podendo dirigir-lhe palavra. Esta imolação, que provocaria distúrbios nas ruas, envolvendo milhares de manifestantes num país, quando em 1980 samelhantes protestos não conseguiram depor o então primeiro presidente do ´país, Habib Bourguiba, depois da independência da França, em 1956, foi considerada como o martírio despoleatador contra o desemprego, inflação e elevado custo de vida. Como resultado da chamada Revolução Jasmim, que deu lugar à deposição de Ben Ali, e a sua fuga para a Arábia Saudita, as pedras do dominó da mudança começavam a caír, seguindo-se, quem diria, o vizinho e potente Egito e, com ele, o apelidado de faraó, de 29 anos de poder despótico, Bosni Mubarak? Da faísca dos desconhecidos Sidi Bouzid e Mohamed Bouazizi, as envolventes chamas, consumiram, em escassos dois meses, dois ditadores, ameaçaram e encurralaram o terceiro, no seu reduto de Tripoli, este da Líbia, Muammar Khadafi, fazendo igualmente temer outras regiões como o Bahrein, o Ieméne e agora Oman, com o aviso iminente de se propagar tanto à Jordânia como à Argélia e, possivelmente, dentro de meses, à Arábia Saudita.
“O povo é quem mais ordena!”, cantava, com o seu forte peito e melodiosa voz, o saudoso José Afonso. Mas enquanto ele ditava que a ordem se referia ao seu amado país, estava longe de antever que, igualmente, se aplicaria, quatro décadas depois, aos mais distantes povos árabes! Ali, também, é o povo quem mais ordena! E continua a ordenar, como voltou a ser na Tunísia com a demissão forçada do seu primeiro-ministro interino! Embora se mantenham dúvidas quanto aos resultados, especialmente no Egito, das concentrações e enormes multidões na Praça Tahir – a Praça da Liberdade - um país conhecido pelas suas ditaduras militares e quando essa mesma classe tem enormemente beneficiado dos anos da sua supremacia, desde os meados de 50 liderados por Abdul Nasser, o povo, o seu povo, consciente da liberdade adquirida, e segundo o escritor Ishar Mattar, ou a jovem Gigi Ibrahim, até aqui comandado, qual robot, sem liberdade nem poder de ação, agora entrado na desejada maturidade, encontrou o seu destino e deseja determinar o seu próprio futuro. Se para o primeiro, com compreensível excitamento, “é agora a vez do povo determinar o seu futuro”, para a segunda, o “que pretendemos é reconhecimento do que somos e podemos ser, não um estado islâmico, mas secular como a Turquia”. É este povo que se concentra na formação de partidos e, enquanto isso, constroi hospitais, limpa as ruas e se entreajuda numa solidarieade até aqui desconhecida. Em todo este vasto contexto, equanto Israel segue atento e se preocupa sob a extensão e consequências desta enorme vaga popular, com a passagem de vasos de guerra iranianos pelo Canal do Suez, o que não acontecia desde 1979, é a voz de dirigentes como a ex ministra dos negócios estrangeiros, Tzipi Livni, exclamar que o que está em causa não é a democracia que dá direito a voto, mas os valores democráticos que devem ser atingidos e respeitados.Enquanto isso, o democrático Ocidente, aquele que condenava deficiências democráticas mas que apertava as mãos e abraçava dirigentes totalitários, fechava os olhos à inaceitável submissão dos povos e déspotas, propalava a incapacidade do povo árabe à consecução da democracia, enquanto garantisse a fluidez do petróleo, e cujos vastos e altamente dispendiosos serviços de espionagem como a CIA e MI6, à semelhança da Europa do Leste de 1989, mais uma vez falharam tremendamente. Ou, como afirmava recentemente (27 do mês passado) o Diretor do JN, José Leite Pereira, no seu artigo “Políticos & Petróleo” “Ao alimentar relações com esses países, as democracias estão afinal a condenar os cidadãos que ali são oprimidos a essa opressão prolongada. Em troca de quê? - Normalmente de petróleo.” Acrescentaria – e não só! Exemplo irónico foi o do primeiro-ministro britânico, David Cameron, que enquanto as populações do mundo árabe celebravam a sua bem conquistada emancipação dos ditadores, viajava na periferia com uma forte delegação empresarial especializada na venda de armamento! A partir de agora, muito justificadamente, as atenções concentram-se no Mundo Árabe, não no tão apregoado, especialmente por Kadhafi, Fundamentalismo ou al-Qaeda, mas num mundo árabe democrático, como se deseja, pujante e que possa, finalmente, dar lições a uma Europa e a um Ocidente falidos de ideias e de rejuvanescimento.

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