domingo, 7 de fevereiro de 2010

HAITI – Hispaniola Amaldiçoada?

Uma das últimas e grandes tragédias naturais dos últimos sete anos, tem um novo nome, e uma nova vítima – Haiti! A começar por Bam (Sudeste do Irão), 26 de Dezembro 2003, 41,000 mortos; Banda Aceh (Sumatra, Indonésia), Pukhet (Tailândia), Sri Lanka, 26 de Dezembro de 2004, todas ligadas pelo maior tsuname de que há memória - centenas de milhar de mortos; Muzaffarabad (Norte do Paquistão), 8 de Outubro de 2005, 85,000 mortos; Chengdu (sudoeste de Sichuan. China), 12 de Maio de 2008, 60 mil mortos; L'Aquila (Itália central, proximidades de Abruzzo), 6 de Abril de 2009, pelo menos 294 mortos; Port-au-Prince (Capital d Haiti), às 1653 e 9 segundos, de 12 de Janeiro de 2010, arrasada por potente sismo, da escala 7 de Richter, provocado pelo choque das placas tectónicas, Caraíbas com a vizinha da América do Norte, ao longo da conhecida linha do sistema Enriquillo-Plantain Garden Fault, resultou na que continua a ser estimativa de 200,000 mortos, com 120 mil sepultados em valas comuns- compreendendo, igualmente, a estimativa de 100 mil crianças - e 193 mil feridos, muitos deles em estado grave. Tudo isto, descontando milhão e meio de habitações destruídas, pelo menos idêntico número de desalojados, e mais de um milhão de crianças órfãs, inescapável convite aos sem-escrúpulos do tráfico humano, vastíssima destruição material, incluindo as pobres infra-estruturas, tanto hospitais, palácio presidencial e edifícios ministeriais, bem como os de instituições de assistência, que em relação às Nações Unidas, em cujos escombros pereceram ainda 40 funcionários, acontecimento classificado pelo Secretário-Geral, Ban Ki-moon, como o maior desastre jamais sofrido nos 65 anos de história da Organização. E, se tudo isto não bastasse, novos sismos, o pior na escala de 6.1, se fizeram sentir uma semana depois, apavorando, compreensivelmente, os pobres sobreviventes. Segundo peritos, a reconstrução de Port-au-Prince levará, pelo menos, dez anos. À semelhança de Banda Aceh, Pukhet e Sri Lanka, um novo e extraordinário desafio. Mas, sobretudo, um dos maiores desafios-apelo à solidariedade humana em que a generosidade mundial, fielmente, está a corresponder de uma forma admirável!

Em apenas uma semana, os donativos do mundo inteiro superaram 300 milhões de euros! Só a sempre generosa Grã-Bretanha, nesse curto espaço de tempo, contribuíu com donativos voluntários e não governamentais, de 45 milhões de euros e os Estados Unidos 240 milhões, bem como o nosso país 120 mil euros! A esta última verba, acrescentem-se outras iniciativas notáveis como a realização do jogo de futebol de beneficência, entre o Benfica e Amigos de Zidane/Ronaldo, no Estádio da Luz, a 25 do mês passado, que além da receita de bilheteira - 513 mil euros - há que acrescentar os direitos televisivos e comerciais, que segundo fontes da organização, totalizaram, no conjunto, "alguns milhões de euros". A esta vaga de solidariedade, seguiu-se a generosidade de conhecidos artistas de cinema, como George Clooney, a doar 1,5 milhão de euros, as dádivas milionárias de Gisele Bündchen ou de Leonardo DiCaprio, bem como da cançonetista Celine Dion, 750 mil, além da maratona televisiva mundial, de 22 do mês passado, em que tomaram parte importantes figuras do mundo pop, como Madonna, Shakira e Sting (para mencionar apenas alguns) e artístico, não só cantando, mas atendendo o telefone em conversa com os dadores, como foi o caso principalmente da famosa artista cinematográfica, Julia Roberts, e que já rendeu cerca de 50 milhões de euros, como a gravação de uma canção cujos rendimentos revertem para o Fundo Comum do Desastre. Mas que dizer de Ben uma criança londrina, de apenas cinco anos de idade, que pedalando na sua pequena bicicleta, orgulhosamente envergando a camisola da UNICEF, espera angariar pelo menos 600 euros para o Fundo do Haiti? Neste enorme e generoso pano de fundo, agiganta-se o testemunho e o estoicismo da resistência dos vivos, mas especialmente à valente centena e meia de resgatados vivos dos escombros, adultos, incluindo uma senhora de 84 anos de idade, e, incrivelmente, 15 dias depois, a jovem Darlene Etienne, de 16 anos que sobreviveu ao beber água de uma banheira, bem como várias crianças, verdadeiros herois resistentes, sem descontar, claro, as incessantes equipas de voluntários salvadores, legião de 1739, homens e mulheres, provenientes do mundo inteiro, incluindo Portugal. Tudo isto, a contrastar com o inicialmente confuso e comprovadamente inepto exército de assistência humanitária (??!!), liderado pelos americanos, que com centenas de famintos, apenas a 200 metros da base de abastecimento principal, o Aeroporto, dez dias depois, continuavam, famintos e sedentos, à mercê...do nada! Esta situação mereceu o comentário do Presidente Italiano da Defesa Civil, Guido Bertolaso, o homem responsável pela assistência, depois do terramoto de L'Aquila, de “situação patética pela falta de coordenação” Condenando os americanos, afirmando que “confundiram o estado de emergência com a ocupação do Haiti (…) muitos figurantes para o show da TV”! Na realidade, duas semanas depois, não obstante os milhares de militares americanos e o seu precioso equipamento, bem como abastecimentos, nomeadamente provenientes do navio Carl Vinson, predominava a confusão e pecava a falta da necessária assistência à faminta e sequiosa multidão. Todos estes episódios, individuais, mas em sua maioria colectivos, do desolador cenário destruidor, fica-se a dever às imagens e narrativa dos muitas vezes esquecidos, e até ingloriamente aviltados, fotógrafos, operadores de câmara e centenas de jornalistas que, sem eles, ignorando a sua própria segurança, não se faria a mínima ideia desta primeira enorme tragédia da segunda década do século XXI.

Sismos, embora de pequena dimensão, ocorrem com frequência.em todo o Globo. Outros, gigantescos, como o de Cracatôa, na Indonésica Sumatra, a 27 de Agosto de 1883, pairam na longa história dos desastres naturais. Nenhum porém, teve as dimensões deste mais recente, no Haiti, nem as circunstâncias da reconstrução das zonas destruídas. Não obstante a boa-vontade mundial e os donativos já recebidos, que, obviamente, não são suficientes, nem tão-pouco o optimismo do antigo Presidente Bill Clinton, desde há muito amigo do Haiti, mas agora nomeado Embaixador da ONU para a reconstrução do país, as perspectivas, porém, apresentam-se complicadas. Sem governo, sem infra-estruturas, aliás já inexistentes antes da tragédia, sem lei nem ordem, com as estruturas político-sociais destroçadas, tremendamente pobre, com uma sociedade conhecida pela violência, geralmente desgovernada, agora mais carecida de pessoal médico e de enfermagem, para assistir aos feridos, segundo personalidades responsáveis, a reconstrução física tem de partir do nada, incluindo o tecido social! Oxalá que os sobreviventes haitianos, apoiados pela enorme vaga de solidariedade mundial, chamem a si a honra dos mortos e o estoicismo dos que foram resgatados, 11 dias depois, o dever de, finalmente, construírem o tão almejado futuro! Será que, em toda esta tragédia, São Ireneu teria razão, ao afirmar que “a bondade humana é particularmente palpável no sofrimento do povo”?

Desde a chegada de Cristóvão Colombo, em 1492, em que foi baptizada de Hispaniola, esta parte ocidental da ilha caraibena, foi malfadada pela doença importada pelos visitantes-”descobridores” e, devido às horríveis condições de trabalho, a maioria da população nativa dizimada. Cedida à França em 1697, e rebaptizada de Haiti, com base no nome do lugar nativo, Ayti (País Montanhoso), com a importação massiça de escravos da África Ocidental cujos músculos devastaram as ricas florestas nativas para, em seu lugar, surgir a então lucrativa plantação da cana do acúcar, de cujo labor, suor, fomes e muitas lágrimas, incluindo vidas, viria a ser principal exportadora. Com a revolta iniciada, e liderada, por  François Dominique Toussaint (1743-1803), oriundo de famílias de escravos ricos, iniciou-se a longa fase de turbulência que, ao fim de 13 anos, viria a resultar na Independência, em 1804, dando origem à formação da primeira república negra mundial, com Jean-Jacques Dessaline como seu primeiro Imperador. Morto dois anos depois, reacende-se a desordem, dando lugar à ocupação americana por ordem do Presidente americano Woodrow Wilson, a pretexto da chamada Doutrina Monroe. Com a retirada das forças ocupantes em 1934, o doutor de Vooddo, François Duvalier, assume o Poder em 1957, passando a ser conhecido por “Papa Doc”, devido à sua tão propalada, mas não concretizada promessa, de devolver o Poder às massas. Em seu lugar, transforma o país num Estado-Policial, dando início a longo e negro período de ditadura, desregrada tortura e morte aos adversários, estendendo-o ao filho, em 1971, que se auto-intitulou Presidente Vitalício! Nas primeiras eleições livres, em 1990, porém, o padre Jean-Bertrand Aristide assume o Poder, mas é deposto, menos de oito meses depois, voltando a desordem e a instabilidade a predominar no pobre país provocando grande êxodo de pessoas a afluír à Flórida, arriscando a vida, em pequenas e frágeis embarcações, seguindo-se-lhe uma junta militar. Com a autorização da Junta, porém, o então Presidente Bill Clinton envia 20,000 tropas, em 1994, para estabelecer a ordem. Entretanto surge a cavalgante SIDA que mina o infeliz país, para onde regressa Aristide em 2001, que, no entanto, é forçado a novo exílio, em 2004. A tragédia continua, com desastres naturais causados pelos devastadores furacões de 2005 e 2008. E, quando em 2009, se notavam, finalmente, indícios das tão ansiadas melhorias, no princípio de 2010, surge o vasto terramoto! Agora, com a reconstrução, HISPANIOLA/HAITI, finalmente a oportunidade de deixares de ser escrava?

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