Quase seis décadas volvidas, o governo britânico rendeu-se, finalmente, à fortemente resistida realidade, ao admitir a sua parte de culpabilidade no horrendo caso da Talidomida, também conhecido por “Bebés da Talidomida”. A tão insistida pelas vítimas existentes e suas famílias, e ansiada admissão de culpabilidade, foi, finalmente feita, no dia 14 de Janeiro passado, na Câmara dos Comuns, pelo Secretário de Estado da Saúde, Mike O'Brien, que apresentou a sua “sincera mágoa e profunda simpatia” tanto às vítimas como às suas famílias. Ao mesmo tempo confirmou a compensação de um fundo especial de 30 milhões de euros a atribuír ao Thalidomide Trust.
Recorde-se que o medicamento Talidomida, foi inicialmente lançado na Alemanha, a 1 de Outubro de 1957, pelo laboratório daquele país, Chemie Grunenthal e, vendido, inicialmente, no Reino Unido, a partir de Abril do ano seguinte, como Distaval, e, mais tarde, como Talidomida, pela companhia Distillers Biochemicals, parte da empresa de bebidas Distillers (actualmente Diageo). A mesma droga, tentativamente lançada nos Estados Unidos como Kevadon, não o chegou a ser devido à desconfiança da então Directora, Dr. Frances Kelly, do departamento nacional co-ordenador dos medicamentos, Federal Food and Drug Administration, na documentação sobre as investigações de segurança do produto, poupando, assim, possivelmente, milhares de vítimas naquele país. Considerado como “medicamento milagroso”, por, erroneamentente, estar isento de quaisquer efeitos colaterais, normalmente encontrados noutros barbitúricos, foi inicialmente prescrito, entre 1958 e 1961, como sedativo, pela classe médica, particularmente às mulheres grávidas, para combater o enjôo matinal, ansiedade, insónia, dores de cabeça e ataques de tosse. De milagroso, porém, cedo revelaria efeitos satânicos. A droga, da classe teratogénia, ou seja, produto que, tomado entre a quarta e a décima segunda semanas de gravidês, interfere com o desenvolvimento normal do êmbrio, provocaria a deformação dos bebés, nomeadamente no encurtamento dos braços e/ou das pernas, ou até, na completa ausência de ambos. Outros efeitos ocorreram tanto na provocação da cegueira como da surdês ou afectaram outros órgãos internos, inclusivamente os intestinos e o desenvolvimento das artérias. Só na Grã-Bretanha, mais de duas mil crianças foram afectadas, muitas delas nado-mortas, ou, pouco depois, 466 sobreviventes actuais, e, pelo menos, 10.000 outros casos, no mundo inteiro. Como resultado, a Talidomida foi, finalmente, retirada do mercado em 1961.
Face às deformações e à tragédia das vítimas e das famílias, muitas delas ostracizadas ou pelos ente-queridos mais directos, geralmente pais, que desconhecendo as origens, culpavam as mães, recusando reconhecer os filho(a)s, que classificavam de “monstros”, ou pelos vizinhos. O conceituado semanário britânico, The Sunday Times, então dirigido pelo reputado jornalista, Harold Evans, enfrentou o repto, inicialmente a custo do seu próprio prestígio pessoal. Na sua recente auto-biografia(*), este jornalista, agora galardoado com o título de “Sir”, conta que depois de se ter inicialmente encontrado com duas das deformadas vítimas, profundamente chocado, chamou a si a sua defesa sobre tão grande tragédia, que classificou da “mais emocionalmente e esgotante notícia que me envolveu no Sunday Times...”, montando uma das mais bem sucedidas e notáveis campanhas jornalísticas de todos os tempos, que, na altura, avidamente acompanhei. Notando, em 1967, que independentemete da tragédia humana, nenhuma das vítimas tinha sido recompensada, o que apenas veio a suceder depois da sua intensa campanha, em que sob enormes pressões a Distillers atribuíu 28 milhões de libras (actualmente cerca de 500 milhões de euros), semanal e impiedosamente, até 1969, como o caso justificava, o semanário, apresentando provas laboratoriais independentes, denunciava tanto o governo de então como e, principalmente, a companhia britânica, pela falta de adequados e rigorosos testes laboratoriais, limitando-se a confiar nas erróneos análises efectuadas pela companhia fabricante alemã. Como resultado, incluindo a longa batalha legal travada nos tribunais britânicos, e como consequência, da maior longevidade das vítimas, além da verba acima, sucessivamente actualizada, cada sobrevivente recebe, anualmente, 30.000 euros, independentemente do fundo governamental complementar de 39 milhões de euros agora atribuído pelo governo.
(*) My Paper Chase – True Stories of Vanished Times (A Minha Luta nos Jornais - Histórias Verdadeiras dos Tempos Idos) Edição Little, Brown (2010)
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