Embora quase durante 60 anos fosse um dos mais aclamados e famosos escritores em todo o mundo e o seu apogeu literário-teatral mundial predominasse nos anos 40 e 50, com a maioria das suas obras, (21 romances e 100 novelas) traduzidas em centenas de línguas, incluindo o Português e parte do panteão dos clássicos, William (mais conhecido por Willie) Somerset Maugham (1874-1965), é de novo lembrado, com a publicação de uma extensa biografia (*), com a particularidade de elementos nunca divulgados. Trabalho meticuloso e exaustivo da escritora-jornalista britânica, Selina Hastings, o leitor-admirador de Maugham, encontra nesta obra revelações, muitas delas chocantes, particularmente naquilo em que o brilhante autor-dramaturgo procurou, ao longo da sua longa vida, ocultar – a sua homosexualidade e, não só. Como a biógrafa assinala, “mestre do disfarce”, cujo biombo matrimonial com Syrie Welcome (filha do célebre médico autor da Fundação do mesmo nome) ocultou uma depravada sexualidade aos olhos do mundo e cujo desastroso relacionamento provocou a diversão em inúmeras viagens, embora das quais recolheria múltipla matéria para temas literários e teatrais. Dominado pelas letras, às quais religiosamente dedicaria as manhãs ao longo da sua longa vida, particularmente na sua bela vivenda Mauresque, em Biarritz, Somerset Maugham é, finalmente, desmascarado.
Interrogado em 1955, aos 81 anos de idade, se desejaria ver-se biografado, respondeu, dismissivamente, que “as vidas dos escritores modernos não têm qualquer interesse, e a minha, por ser insípida, não gostaria de vê-la associada a coisas dissaboridas”. Tinha boas razões. Não pela alegada vida insípida, mas pelo que, a todo o custo, queria ocultar. Antes, o sobrinho, Robin Maugham, o quis fazer. Quando lhe participou as suas intenções e que, para tal, já lhe fora adiantado a participação dos direitos, qual não foi o esforço do escritor, principalmente com a editora, em dissuadi-la do projeto, enquanto ao sobrinho pagou a então vasta fortuna que receberia pelo seu trabalho. Já no limiar da longa vida, mudou de ideias. Mais por convencimento e, acima de tudo, lucro do segundo e mais fiel amante, Alan Searle, juntamente por insistência do astuto magnate de imprensa, Lord Braverbrook, que queria, como conseguiu, serializar as suas memórias (Setembro e Outubro de 1962), e também por considerar ser melhor ele fazê-lo, esta experiência ser-lhe-ia altamente prejudicial, tanto ao seu enorme prestígio como, mas muito especialmente, à
sua já débil saúde, apressando até a morte. Ao escrever o que intitulou “Looking Back” (Memórias do Passado), das quais Alan receberia embora modesta quantia de Beaverbrook em relação à então fortuna, 1/4 de milhão de dólares, da revista Show americana, ao fazer revelações até então íntimas de amigos e de figuras influentes da época, Maugham pagaria caro. No fim da obra, o autor ao admitir ser “uma criatura muito imperfeita e atormentada” e adianta que “ao escrever [as memórias] fi-lo para desfazer-me de pesadelos que muitas vezes me obrigaram a noites sem dormir”. As reações foram intensas e inesperadas. Não só e principalmente à qualidade do trabalho, que deslustrava uma imagem literária incólume, mas, acima de tudo, a senelidade e o estado mental do autor. Escritores amigos como o prestigiado Noel Coward (1899-1973) não se contiveram. Para este último, trata-se de “altamente ultrajante” e um “trabalho senil e escandaloso”, Para outro, como Grahame Greene (1904-1991), Maugham, não passava de “um obsceno e vil sapo”, (ou seja), pessoa detestável. P ara outro escritor e amigo, Gore Vidal, referindo-se à venerada imagem criada pelo romancista-dramaturgo, “o velho Maugham minou o seu próprio monumento, fazendo-o explodir” . Desprezado e humilhado, o autor, profundamente desolado, lamentando e chorando, fechou-se por completo, refugiando-se no seu chalé, do sul da França, para nunca mais voltar à Inglaterra, o país que igualmente, como patriota, serviu e muito contribuíu em missões secretas nas duas grandes guerras, mas especialmente na segunda, tanto na Rússia e na França como, e muito principalmente, nos Estados Unidos, onde desempenhou importante papel a favor do auxílio daquele país e povo ao sacrificado e heroico povo britânico, contribuindo, enormemente, para a sua adesão e a consequente vitória aliada.
(*) The Secret Lives of Somerset Maughan, de autoria de Selina Hastings. Editora John Murray (Londres)
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