quinta-feira, 27 de novembro de 2008

BABILÓNIA - A TRAGÉDIA DA DESTRUIÇÃO DE UMA IMPORTANTE CIVILIZAÇÃO - Notas sobre uma notável Exposição

Há durante mais de dois milénios que o mito chamado Babilónia persegue a insaciável imaginação europeia. A Torre de Babel, os Jardins Suspensos o Banquete de Baltazar e a Queda de Babilónia inspiraram artistas, escritores, poetas, filósofos e realizadores de cinema. Porém, graças à arqueologia, desde e depois dos últimos dois séculos, a verdadeira Babilónia começou, peça por peça, laboriosa e paulatinamente a ser revelada. Capital imperial, grande centro de ciência, arte e comércio, porém, a atenção, mas sobretudo a preocupação do mundo científico-arqueológico pela ameaça que começava a despontar, não só acerca da arqueologia de tão magnífica e famosa capital, mas sobretudo pela vasta região histórica da Mesopotâmia, actualmente Iraque, que começou a surgir principalmente a partir de 2003.

Por tudo isto, numa iniciativa a cargo do mundo artístico internacional, gerou-se um movimento liderado pelo Museu Britânico, Museu do Louvre e o Museu Vorderasiatisches de Berlim, através da montagem de uma, que se torna notável exposição, na qual se explora a continuação do diálogo entre a Babilónia e a nossa imaginação, mas agora, com base na evidência histórica de uma das grandes cidades da antiguidade, particularmente no momento do seu apogeu durante o reinado de Nabucodonosor II e seu eclipse. É sobre esta mostra, que se encontra exposta até 15 de Março de 2009, que vamos dialogar e procurar comunicar aos que nos lêem. Venha dai!

Tintir, Alim, Bavel ou Babel ou ainda Atlal Bábil, respectivamente designação literária, antiga, nome hebráico ou, finalmente, árabe, Babilónia, que tanto consta na Bíblia (Velho Testamento) e largamente designada por símbolo bíblico de Prostituta, devido à sua luxúria e vício, foi a capital da Mesopotâmia desde o início do segundo milénio aos primórdios do primeiro BC. No seu apogeu foi capital da Caldeia e do império durante o 7º e 6º séculos BC, estendendo-se desde o Golfo Pérsico ao Mediterrâneo. Os seus resquícios alastram-se desde o Rio Eufrates, em cerca de 88km sul de Bagdade, até à actual e moderna cidade de Al-Hillah, (Iraque), berço da opulenta e antiga metrópole.

A exposição do Museu Britânico é dominada por três grandes temas: Torre de Babel, Jardins Suspensos, Banquete de Baltazar (com o Profeta Daniel de permeio) e o seu verdadeiro relacionamento à verdadeira Babilónia. Entre eles, predominam os grandes e principais soberanos, nomeadamente Nabucodonosor II (605-562BC), a quem se deve a reconstrução e o explendor da cidade que obedeceu ao desenho de Semiramis; Baltazar (553-529BC) e Ciro II (539BC), que a venceu, deixando aos seus sucessores, principalmente a partir de Alexandre o Grande, que ali morreu em 323BC, quando deixou de ser capital, para caír no esquecimento. Enquanto se faz questão inicial de que com a excepção dos Jardins Suspensos, os quais prevalecem só na imaginação, as restantes atracçções desta histórica e imponente capital foram comprovadas por documentação descoberta nas escavações, iniciadas principalmente por arqueologistas alemães a partir do início de 1900.

Antes das escavações e investigações arqueológicas dos séculos XIX e XX, o conhecimento que se tinha da Babilónia dependia da Bíblia e dos textos provenientes dos antihos historiadores gregos. Como resultado, predominavam fantásticas lendas, embora muitas delas com base na realidade histórica de tão vetusta capital. Obviamente, na exposição, predomina o imaginário. Desde as várias interpretações sobre a Torre de Babel, primeiro de Pieter Bruegel, de 1563, o trabalho em gravura de Cornelius Anthonisz Teunissen (1547) e a gravura de J.A.Delbenbach, baseada num desenho de Bernhard Fisher von Erlach de 1721-1723, sobre os Jardins Suspensos, bem como a magnífica interpretação do mesmo tema de autoria do pintor Johann Georg Schmidt, de 1730 e dos muros da Babilónia de autoria de Philip Galle (1572) e de Antonio Tempesta (1608), bem como a pintura de Edgar Degas, artista fascinado pela iconografia assíria e ainda tanto a famosa interpretação do artista inglês William Blake, que retratou Nabucodonosor II como homem doido e aterrado, como a excelente pintora a óleo da artista Evelyn De-Morgan, intitulada Junto às Águas da Babilónia (1882-1883), em que retrata só mulheres a deleitar-se. Estes, bem como belos e espessos volumes, cheios de iluminuras como a de autoria de Jean de Courcy, intitulada “La Bouquiharlière” (1460-1470), pelo menos outros dois belos trabalhos a óleo, um de Daniel na Cova dos Leões (de autoria de Briton Piviere - 1872) e a que consideramos extraordinária, enorme e detalhada pintura do Banquete de Baltazar, intitulada O Escrito na Parede (1820-1821) em que o autor inglês, John Martin, magistralmente reúne os principais, mas inúmeros detalhes do seu tema, como a mesa coberta com os cálices do Templo de Jerusalem (cidade que conquistou e destruíu em 587BC, pilhando tudo o que pôde e fazendo da população escrava que transportou para Babilónia e que só foi libertada depois da conquista por Círo II) sobre a qual se encontra o Profeta Jeremias a advertir o soberano, bem como o famoso cálice do Templo, parte da cidade, o rei e os seus principais aios.

A Babilonia real, porém, não fica atrás. Além das inúmeras tabletes cuneiformes e sinetes reais salientam-se os belos e extraordinariamente bem preservados frisos em tijolo esmaltado. O verdadeiro forte de reconstrução são, primeiro a bela maquete da imponente avenida, com paredes de 13 metros de altura, nas quais estavam expostos, em tijolo esmaltado (transportados, um a um, para Berlim e presentes na exposição), uma técnica avançadíssima para a época, o famoso leão e dragão, que conduzia à explendorosa Entrada Ishtar Ao fundo, na praceta Esagil (que significa o edifício cujo topo é elevado) pode ver-se o famoso zigurate, ou templo, que deu origem à Torre de Babel, que na Bíblia é tipificada como “vaidade e orgulho humano”.

Além do testemunho científico oriundo desta notável civilização (arte de medição das superfícies, relógios solares, as doze divisões do dia, que se julgavam ser oriundas da Grécia, via Egipto, o zodíaco e os respectivos sinais, bem como o horóscopo); como literário (invenção da escrita pelo sistema heroglífico, como o criação do alfabeto aramáico), são devidamente destacados.

A exposição encerra com um duro aviso sobre os danos, alguns irreparáveis para a reconstrução desta preciosa e única dádiva histórica, causados por seres humanos. O primeiro, a culpar é Saddam Hussein, que na sua ânsia de reviver os gloriosos tempos dos seus poderosos antepassados reconstruíu, mas mal, destruindo as bases originais, monumentos na Babilónia primitiva, bem como palacetes e, o segundo factor à invasão do Iraque, em que as forças de ocupação, principalmente as americanas, continuaram a destruição, construindo quarteis e bases de helicópteros nas zonas da antiga cidade e que agora não podem ser escavadas para recuperação arqueológica, em que principalmente o Museu Britânico está particularmente empenhado.

Segundo o director da exposição, Irving Finkel, que desde 2003 tem estado envolvido com colegas iraquianos na recuperação do que tem sido possível dos tesouros arqueológicos da vetusta e antiga civilização, referindo-se particularmente às tropas americanas, “a grande tragédia foi não terem consideração absolutamente nenhuma sobre o que estavam a destruír. Não era apenas questão de uma ou duas barracas, mas estamos a falar de bases de helicópteros e valas.” A este crime, acrescente-se a pilhagem desenfreada aos memoráveis museus, principalmente de Bagdade, e às incalculáveis riquezas deste berço da civilização, principalmente depois da invasão, em que não se procurou proteger tão precioso acervo histórico-cultural universal.

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