Para profissionais de jornalismo, como eu, que tiveram a ventura de aprender, serem formados, mas acima de tudo moldados, viver e servir, mais de três décadas, nessa notável escola chamada BBC, o amor – o dever – à verdade, zelo à transparência, à imparcialidade, fidelidade e confidencialidade às fontes, não é apenas uma obrigação, mas timbre de uma carreira que se impõe como ímpar em servir e respeitar as audiências que nos honram com a sua preferência! Todos estes marcos são ainda mais evidentes quando tanto a nossa origem cultural e étnica, como, e muito particularmente, as inevitáveis filiações partidárias, obviamente tendem a influenciar as nossas percepções e ações. Embora nem sempre, mas por muito grande que seja a tentação em interpretar-se a notícia, esse grande lema da BBC é demasiadamente sagrado, para não ser profanado. Ao leitor, ao ouvinte ou ao tele-espetador, por merecer todo o respeito, deve ser transmitida toda a verdade, e nada mais que a verdade. Verdade, nua, crua! Isenta de floriados. Por isso mesmo, na "Bíblia" da BBC, - O Guia Editorial - a certo passo, diz-se o seguinte: "O jornalista pode espressar uma opinião profissional, mas nunca uma opinião pessoal..." Outro ponto cardeal é o dever da fidelidade às fontes. Ainda citando a experiência da BBC, quando uma notícia é referida na base do "off the record", ou seja, para não ser divulgada, como é um dever sagrado, permanece, por isso mesmo, no segredo dos deuses. Os jornalistas, como seres humanos, movendo-se muitas vezes pelo fervilhar da adrenalina, não estão isentos de tentação. Que vale uma "caixa" sensacional, mas efémera, quando se renuncia ao que se
é, traíndo não só os seus princípios, mas, acima de tudo, os que nele confiam? Mais vale uma fonte permanente, à qual se pode recorrer, do que a efémera fama, que se poderá obter, mas possivelmente uma vez, e, com ela, o inevitável descrédito! Valiosíssimas são as fontes, que ao serem fielmente preservadas, cimentam, fundamentam e dão crédito à informação! Mais! Revelar o que se sabe, mas nunca o que confidencialmente lhe é participado, do que, por muita certeza que se tenha no jogo da probabilidade, se procure especular.
Vida fértil em episódios interessantes, particularmente quando se trata de uma longa e profícua carreira, muito poderia descrever, caso o espaço me permitisse. Limito-me ao que considero mais cómico e revelador. Estava-se, ao serviço do Jornal de Notícias, numa das muitas cimeiras da União Europeia, que, francamente, detestava cobrir, mais pelo facto de durante o dia nada de importante havia para relatar, limitando-me a “catar”o mais possível, aqui e ali, algo que considerava importante para a peça final. De repente, quase à hora do fecho da edição, surgia a irritante declaração final, seguida das conferências de imprensa das delegações nacionais. O episódio passou-se em Dublin, na Irlanda, nos meados dos anos 80. Naquela cimeira, Frederick W. de Clerk, então primeiro-ministro da África do Sul, procurava a desejada abertura no Ocidente e tentativa de abandono do Apartheid. Devido ao boicote comercial, tentou aliciar com a venda de Rands de Ouro. Conhecedor da posição britânica e do interesse de Margaret Thatcher em apoiar as tentativas do homólogo sul-africano, soube de boas fontes que a Grã-Bretanha, então isolada, procurou - e conseguiu - o apoio de outro país, Portugal, mas que pretendia o anonimato. Consciente desta posição, interroguei, no enorme salão, repleto de colegas internacionais, o então primeiro-ministro irlandês, na sua capacidade de Presidente, sobre quem era o país apoiante do Reino Unido. Perante irritante hesitação, decidi lançar a bomba, perguntando se esse país era Portugal, o que foi obrigado a confirmar! Obtida esta admissão pública, apressei-me a chegar à sala onde decorria a conferência de imprensa do então ministo dos negócios estrangeiros do nosso país, o Prof Dr. João de Deus Pinheiro. ´Como, para lá chegar, tinha de passar pela sala do Reino Unido, precisamente no momento em que falava Margaret Thatcher para os jornalistas britânicos, - eureka! Divulgava e manifestava a sua gratidão ao nosso país! Ao avistar-me com João de Deus Pinheiro, disparei-lhe a pergunta se Portugal era o país apoiante do Reino Unido na questão da venda dos rands de ouro. Hesitando, poupei-o do aparente embaraço, informando-o de que tanto Margaret Thatcher como o primeiro-ministro irlandês haviam-no já confirmado publicamente há instantes. Metendo a mão ao bolso, o ministro mostrou-me um guardanapo em papel com os dizeres “Thank you João!” (Obrigado João!) escrito pelo homólogo britânico, Douglas Hurd, que ao lado dele se sentara no almoço! Seria bom que nas muitas circunstâncias que se seguiriam ato semelhante fosse reciprocado pelo país beneficiado!
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