Quem, como o autor, tem tido a ventura de dispender inúmeras horas nessa Catedral da Cultura como é o Museu Britânico, jamais se cansa! Por isso, e sempre que possível, não páro de a visitar. Fascinado pela história do Egipto antigo, aos enormes e replectos salões daquela civilização, fui “morador” daquela secção, durante duas escassas semanas! No estudo que ali efectuei, há cerca de 15 anos, o tema foi a mumificação e a prática fúnebre dos faraós e do seu povo. Porém, ao pretender inculcar semelhante conhecimento, e ao visitar a secção com a minha neta mais velha, Rebecca, fiquei desiludido pela sua relutância em interessar-se em múmias e morte!
A arte fúnebre do antigo Egipto tem muito para revelar, não apenas sobre os seres humanos, mas também sobre os animais.
O maior achado, foi feito por um camponês, em 1888, quando cavava junto à aldeia de Istabl Antar (margem oriental do Nilo, entre o Vale dos Reis e o Delta). Aturdido, deparou não com uma enorme vala comum de ossadas ou múmias humanas, mas pilhas e pilhas – milhares!! - de gatos embalsamados. Como se pode depreender por este achado, os egípcios antigos, tinham grande amor pelos seus “pets”, além, claro, de adorar muitos outros animais, como veremos adiante. O pior, foi a falta de sensibilidade demonstrada pelos seus sucessores, que, descaradamente, despacharam, enchendo navios, com semelhante acaso para fertilizar os campos britânicos.
Nessa era de há 5,000 anos atrás, as famílias abastadas eram conhecidas pelo tipo de animais de estimação que possuíam. E, como a Eternidade era para eles uma certeza, tal como o embalsamento dos seus corpos, ao ressuscitarem, contavam ver também os seus queridos “pets”. Outros, até, tinham a preocupação de se fazer acompanhar de mantimentos, nomeadamente a melhor carne, suculentos patos, gansos e pombos, bem preservados em sal, secos e cuidadosamente embalados em panos de linho, para a longa jornada! Comenta uma cientista egípcia, que “embora iguarias nem sempre à mesa, quando em vida, o importante é não faltarem na eternidade”!
A tradição conheceu particular ênfase em 2950 AC, em que os soberanos da 1ª Dinastia eram sepultados, em Abidos (sul de Istbar Antar), acompanhados de cães, leões e burros. Mas a venerada cidade de Mêmfis, perto do Cairo, capital durante a maior parte do Reino Antigo, ocupando a superfície de cerca de 40 km e, com a população de 250.000 pessoas, foi notável pelo número de mausuleus dedicados a animais considerados sagrados. O mais notável era o do touro Apis, um dos mais venerados da época.
Símbolo de poder e virilidade, o Apis era um animal muito ligado ao poderio real. Parte animal, parte deus, foi distinguido para veneração devido às suas características sui generis: triângulo branco na testa, padrões esbranquiçados na forma de asas nas homoplatas e nas ancas, silhueta de um escaravelho na língua e pelo duplo na extremidade da cauda. Em vida, este animal gozava de especial residência num pomposo santuário, aos cuidados de atentos e solícitos sacerdotes, adornado de ouro e jóias e adorado por multidões de fiéis. Ao morrer, cria-se que a sua essência divina passava para outro touro, dando início à procura de um novo sucessor. Depois de mumificado, era transportado para o templo e colocado numa cama de esmerado trivertino. A mumificação levava pelo menos 70 dias: 40 para a secagem completa da humidade do corpo e 30 para a colocação das ligaduras.
No dia do funeral, dia de luto nacional, os residentes, desfilando ao longo do trajecto, clamavam e choravam até ao mausoleu, agora descoberto em Serapeum, no nocrotério do deserto de Saqquara, nas proximidades de Memfis.
Animais diferentes eram adorados nos seus locais de culto. Touros em Armant e Heliopolis, peixes em Esna, carneiros, na Ilha dos Elefantes e crocodilos em Kom Ombo (todos no extremo sul do Reino). Segundo egiptólogos, o hábito da adoração dos animais surgiu no início da Civilização Egípcia, graças às chuvas intensas desse período, abundância e posperidade a preservar pelos deuses, o que não sucede actualmente. Compreende-se porque nessas épocas remotas, no verdejante dos campos proliferavam e pastavam os animais que a população associou a diversos deuses.
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