Recordar Charles (Robert) Darwin, o “pai” da Teoria da Evolução (no seu segundo centenário de nascimento e século e meio da publicação da sua controversa obra – A Origem das Espécies)
Mal sabia o jovem de 22 anos, desde rapaz, apaixonado e incansável coleccionador de insectos, Charles Darwin, de seu nome, que, a 27 de Dezembro de 1831, com o céu cristalino, ao encetar a sua aventura, resultaria na longa e atribulada viagem de cinco anos. Menos sabia também que ao pôr pé no Beagle, além de concretizar o apelo que lhe fora fulminado por Alexander von Humboldt, na sua aventura na América do Sul, para onde se dirigia, embora convidado do comandante do navio, o jovem naturalista aristocrata, Robert Fitzroy, mas que fez questão em pagar as despesas da viagem, esta sua aventura transformaria por completo uma ainda tenra e incerta vida, inicialmente dedicada ao sacerdócio. Este familiar do aclamado industrial de louça decorativa, Josiah Wedgewood, depois de falhar no curso de Medicina recomendado pelo pai, na Universidade de Edimburgo, por detestar esquartejar corpos humanos, interessou-se particularmente pela história natural, passando a maior parte do seu tempo a estudar plantas, insectos e animais. Ali, o falhado médico, numa universidade caracterizada por dissidentes radicais recusados tanto por Oxford como por Cambridge, seria, porém, e para sempre, marcado pela influência do condiscípulo Robert Edmond Grant, evolucionista radical e discípulo do biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck. Em 1828, porém, por insistência do pai, ingressou no Christ's College, em Cambridge, onde se formaria no sacerdócio, concluindo o curso em 1831.
Esta influência seria o verdadeiro percussor da origem da teoria que revolucionaria tanto o pensamento cristão como o mundo científico em geral sobre a criação. Embora atribuída às observações e conclusões obtidas na Ilhas Galápagos, (ver vistas acima), sustentam notáveis figuras académicas como David Quammen, ocorreram antes, em Setembro de 1812, nas pampas argentinas da Baía Blanca, mais propriamente em Punta Alta, a 600kms sul de Buenos Aires, não resultante de animais vivos, como tentilhões e os seus intrigantes e diferentes bicos, ou tartarugas gigantes, mas de fósseis do período plistocénio em que foram descobertos resquícios de nove mamíferos gigantes até então completa ou quase desconhecidos do Homem. Dentre estes mamíferos, exclusivamente oriundos das Américas e extintos há praticamente 12 mil anos atrás, destaca-se o Megatério, animal semelhante ao elefante, já baptizado pelo anatomista francês Georges Cuvier, e muitos outros excavados como e nomeadamente o também extinto Macrauquenia, um tipo de camelo, possivelmente antecessor tanto do guanaco e vicuna, como da llama e da alpaca, igualmente oriundos daquele continente. Mas não foram apenas as pampas argentinas ou as florestas de Salvador que fascinaram o jovem cientista. Em Cabo Verde, em Janeiro de 1832, Darwin ficou maravilhado com a enorme quantidade de ostras que via.
Metódico e diligente, aliás uma das importantes características do novo cientista, as múltiplas descobertas e constantes envios de animais considerados raros, tanto aves, insectos, como mamíferos ou restos deles, como foi o caso da célebre estrutura óssea do crâneo do Toxodon platensis, tipo de um hipopótamo extinto, adquirido por Darwin por uma irrisória quantia a um agricultor do Uruguai, para cientistas amigos e conhecidos na Inglaterra, que o ajudaram no devido estudo e classificação, dentre os quais se destaca o mais famoso zoologista do seu tempo, particularmente de animais extintos, Richard Owen, o convicto cristão fundador do Museu da História Natural, que, mais tarde, devido à descoberta da teoria do amigo dele se desligou.
Todas estas descobertas ao fim dos cinco anos de viagem resultariam numa interrogação e luta constantes na sua residência, em Downhouse, no condado de Kent (sul da Inglaterra), agora museu à sua memória. Cuidadosamente coligidos, lidos, relidos, acompanhados de comentários e solicitações às figuras mais conhecidos da época, minado pela dúvida e pelas profundas consequências que as suas perturbantes descobertas teriam, os seus passeios no jardím e parque vizinhos dominavam, atormentavam o sacerdote Darwin, marido de uma extraordinariamente convicta mulher cristã, que a acompanhava à porta da igreja, sem nela entrar. As consequências das suas convicções, que o dominariam durante um terço da sua longa vida, provocar-lhe-iam crises de vómitos e torturas constantes. Hesitante, adiando constantemente a publicação das suas teorías, um volume que daría lugar a mais de 400 páginas, chegando a escrever uma carta à mulher em que, caso morresse antes dela, lhe garantisse que tudo faria para que o seu manuscrito fosse publicado, para o qual destinava uma verba adequada; o dia da decisão finalmente chegou de uma forma aliás inesperada ao receber, em Junho de 1858, uma encomenda com um livro, enviada da Indonésia por um tal e conhecido Alfred Russell Wallace, que, tal como ele, avançava ideias semelhantes. Preocupado em perder o devido mérito, decide-se, finalmente, pela publicação. Entretanto, porém, o devido reconhecimento científico da autoria de tão revolucionária teoría caberia à Sociedade Real, em Julho de 1858. Na ausência dos dois autores, Wallace a milhares de quilómetros de distância, e Darwin, embora na vizinha Kent, mas impossibilitado de se deslocar a Londres por morte do filho mais velho, a solução, e devido veredicto final seriam, porém, adiados.
Em Novembro de 1859, a primeira edição da Origem das Espécies, esgotou-se de imediato, seguindo-se-lhe outras cinco edições durante a vida do autor. Provocando a imediata a esperada revolta, não só no seu país como em todo o mundo, de que todos conhecemos até aos días de hoje, nomeadamente nos Estados Unidos da América, particularmente nos inúmeros círculos cristãos ortodoxos, dando lugar a um museu exclusivamente dedicado a refutar tais inaceitáveis e altamente nefastas ideias.
A virtude da visão de Darwin reside particularmente no facto de até então não existirem provas cabalmente confirmativas das suas teses. Embora começassem a surgir em 1957, com a descoberta da existência de organismos vivos em rochas, por Roger Mason, cujas amostras iniciais se encontram no Museu de Leicester, no centro da Inglaterra, outro passo importante competiría à cientista polaca Marie Curie, então em Paris, ao descobrir a radioactividade do urânio. Estava aberto o caminho da leitura da origem da idade das rochas, em que nova evidência surgiría tanto na Austrália como nas pedreiras de louza da Baviera, na Alemanha. Porém, persistía a incógnita sobre o facto das descobertas de fósseis em váios pontos do mundo. E, embora a possível chave residisse na teoría de um zoologista alemão, que avançava com a hipótese de que os continentes teriam estado ligados, separando-se milhões de anos, mais tarde, só a partir de 1960, é que foi possível demonstrar com a separação das placas e das rochas, dando origem aos continentes (vejam-se os meus posts intitulados O Planeta Terra, Conhecê-lo para Melhor o Preservar).
A evidência crucial sobre a origem das espécies e a confirmação da teoria de Darwin, porém, deve-se aos cientistas Francis Crick e James Watson, que em 1953 descobriram, em Cambridge (Inglaterra), a revolucionária hélix decifradora do DNA, ou seja a origem da vida e, consequentemente, a solução mais do que cabal sobre a origem das espécies. A ironia está no facto de que o primeiro era neto do naturalista amador e sapateiro, chamado Walter Drawbridge Crick, que duas semanas antes da morte de Darwin lhe mandara um minúsculo escaravelho cuja pata segurava um insecto, permitindo-lhe a elaboração do seu derradeiro estudo. Outra prova, o elo de ligação entre a evolução dos animais marinhos, aos quais se atribui a origem dos seres viventes, deve-se ao paleontologista Neil Shubin, que descobriu nas rochas do Árctico canadiano, em 2004 a caveira do peixe gigante Tiktaalik Roseae, de características terrestres, de 375 milhões de anos, com o qual traça a jornada da vida do mar para a terra.
À medida em que a ciência, particularmente a da genética progride, mais as teorías de Darwin são confirmadas, o que é notável para um homem de visão extraordinária, 200 anos antes. Dentre as várias recentes descobertas destacam-se tanto a rapidez da evolução pela selecção natural, que Darwin considerava ser lenta, como a evolução e adaptação de certas aves, animais e até seres marinhos, ao ambiente. Se no bico dos tentilhões ou no pelo dos ratos se constata a evidência da selecção natural em moção, moldando e modificando os genes individuais para adaptar o organismo às suas circunstâncias particulares, outras provas confirmam a notável visão de Darwin. O que, porém, no que o notável pensador errou foi no período do decurso da evolução, que julgava ser longa e lenta. Porém, segundo o cientista David Reznick, afinal, a evolução é produto de apenas uns poucos anos. Outras notáveis descobertas, uma sobre o gene da proteína BMP4, no qual reside a resposta da mudança do tamanho e cor dos bicos dos tentilhões, que tanto intrigaram Darwin, a este gene se deve também semelhantes alterações nos peixes, em continentes diferentes. A outro gene, FOXP2, por exemplo, deve-se a habilidade das aves cantarem e até dos ratos aprenderam as sequências dos movimentos rápidos, descoberta da neurobiologista alemã Constance Scharff.
Charles Darwin, nasceu a 12 de Fevereiro de 1809, em Shrewsbury, condado de Shropshire (centro-sul da Inglaterra), e morreu a 19 de Abril de 1882, em Downe, no condado de Kent (sul da Inglaterra). Embora agnóstico, a Darwin foi concedido o raro privilégio de ser sepultado na mais conhecida catedral do país – A Abadia de Westminster.
Fontes e agradecimento: Darwin, de autoria de Adrian Desmond e James Moore (edição de Michael Joseph – Londres, 1991), Enciclopedia Britânica, National Geographic (edição em inglês, Fevereiro de 2009) e o documentário da BBC, Charles Darwin and The Tree of Life (Charles Darwin e a Árvore da Vida), exibido em Fevereiro de 2009 no canal BBC1.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
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