segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Funerais e Cemitérios

O funeral, não religioso, no ano passado, do saudoso e altamente talentoso Raul Solnado, e a lamentável ausência de uma devida elegia fúnebre, independentemente, claro, da manifesta e vasta voluntariedade pública, que lhe rendeu prestimosa e mui justifica homeagem, chocou-me e prontificou-me salientar o importante contraste entre a corrente tradição Católica e Portuguesa e a Protestante e Britânica. Na nossa tradição, os funerais são caracterizados pela sobriedade e despedida dos defuntos, envolvendo, geralmente, a longa vigília que antecede o enterro. Esta, igualmente, a tradição Católica, principalmente nos países latinos. Longe, porém, - e felizmente - vai a prática do tradicional luto e da negridão que tal sentimento acarretava, geralmente entre as mulheres viúvas e familiares mais directos! Semelhante situação, a prontificar sentimentos lúguebres, são os nossos cemitérios, particularmente os da província. Lembro-me, em particular, nos meus tempos de infância, o sentimento, misto de temor e solidão, quando passava pelo cemitério de Tonda, minha terra-natal, agravados, em dias de vento, pelo lúguebre sibilar dos altos ciprestes.

Que contraste, tanto com os funerais como com os cemitérios britânicos! Se, no primeiro caso, os funerais são geralmente actos de homenagem e, até de louvor, permeados por compreensível satisfação pela vida do defunto, em que, além de hinos ou músicas preferidas pelo homenageado, não falta a tradicional elegia, em que se recordam eventos e qualidades do visado, segue-se a tradicional festa familiar, em que no meio de bebidas e iguarias se conhecem novas pessoas e se iniciam novas amizades. Por seu lado, os cemitérios britânicos, os mais antigos ainda ligados aos templos das paróquias, são caracterizados por jardins, com as sepulturas, em que não faltam as tradicionais placas de pedra, umas com sentida homenagem, outras até humorísticas e ainda aqueloutras a relatar e reflectir características pessoais do defundo. Neste contexto, uma das tradições das escolas britânicas é os alunos visitarem os cemitérios, não como meio de reflexão, mas de estudo e compilação das inscrições mais sugestivas! Dentre os cemitérios britânicos que se podem considerar excepção a esta regra, é o de Highgate, a noroeste de Londres. Nesta secular e famosa necrópole, onde estão sepultadas figuras notabilíssimas da vida britânica e até internacional, como é o caso de Karl Marx, salientam-se belos e caríssimos monumentos arquitectónicos, muitos deles semelhantes aos mais ricos mausoleus que se encontram em alguns dos nossos cemitérios. Não surpreende, o enorme interessante dos visitantes a tão venerado recinto. Por isso, as visitas são restrictas, pelo que só dependem de marcação prévia. Embora predomine a tendência das cremagens, sempre acompanhadas das práticas antes descritas, aumenta o inevitável dilema dos espaços, dos cemitérios antigos, particularmente no centro, ou na periferia das grandes cidades, como é o caso de Londres, em que os custos de manutenção são enormes. Não surpreende a compreensível polémica quando as câmaras procuram desfazer-se destes indesejáveis custos, particularmente nos cemitérios praticamente abandonados pelas famílias dos sepultados. E, como não é hábito as trasladações, como acontece em Portugal, em que normalmente dez anos depois se transferem as ossadas, o problema agrava-se. Ainda recentemente, a controvérsia atingiu o rubro quando a câmara de Westminster, no centro de Londres, vendeu dois grandes cemitérios a empresas privadas, apenas por um euro cada!

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